Aurora em cerração (Arquivo JRS) |
De vez em quando eu fico
pensando na maravilha que é a nossa fala, o quanto é determinante as palavras
no nosso ser, aos seres humanos. Imagino, ao longo do tempo de nossa vida na Terra, os grunhidos
virando palavras, constituindo linguagens e línguas, dando significado ao estar juntos, formar famílias, guerrear, sair pelo mundo, estudar, trabalhar etc. Não
é pelas palavras que justificamos os nossos comportamentos a cada dia? Tomemos
o exemplo da justiça. Não tem como discordar que, para o sucesso da vida em
sociedade, é necessário que a justiça prevaleça. E, já entro em sucesso, que
lembra coisa boa, algo que deu certo, causando a felicidade. Assim, a vida em
sociedade, para ser um sucesso, precisa ser constantemente aperfeiçoada. Neste
processo, a justiça é o farol.
O
que é um farol? É uma luz a iluminar uma rota, um caminho. Quem nunca fez a
experiência de precisar de uma luz, uma lanterna para poder caminhar na
escuridão, entre obstáculos? Um farol é a principal referência ao navegante
errante nos vagalhões do mar da vida. Um dia, o saudoso Hilário me contou a
aventura em romper o mar na cerração: “Eu
e minha amada combinamos de, na madrugada, deixar a casa dela, a praia onde
nasceu e se criou. Escolhemos um lugar longe dali, onde faríamos a nossa
família. Fizemos isso porque o pai dela não permitiria nunca o nosso casamento.
Rolamos a canoa para baixo e embarcamos tendo apenas as roupas do corpo. Só que
fomos surpreendidos por uma cerração, onde nada se enxergava. Gastamos o dobro
do tempo para alcançar nosso destino porque não se via nada. As sombras que
passavam nos enganavam, os sons distantes também não eram verdadeiros. Sorte
nossa que eu tenho um nariz muito bom, capaz de sentir cheiros bem de longe.
Assim soube que estava chegando na Ponta da Fortaleza, pois ali perto, no Saquinho,
havia um chiqueiro de porco da Velha Maria, mãe da Carmelina e do Zacarias. Foi
a nossa livrança. Aurora veio, foi acolhida pela minha gente. Dali em diante nenhuma cerração poderia nos atrapalhar. No
fim tudo deu certo. Aí estão nossos
filhos e netos para comprovar o nosso sucesso. Era para ser assim”.
Pode-se pensar
tudo? Lógico que pode! Pode-se falar tudo? Não, lógico que não! Por exemplo,
não podemos permitir a livre expressão de ideias discriminatórias, de injúrias,
de perseguições, de negação de direitos essenciais etc. Se queremos uma sociedade feliz para todos, palavras
que contrariam ou deturpam a justiça não podem se multiplicar livremente.
Palavras que espalham ódio menos ainda! Jamais poderia ocupar um poder de fala,
um cargo público, um sacerdócio, quem dá destaque a tais discursos de ódio que resultam em
infelicidade geral, em ruína na sociedade.
Agora são tempos difíceis!
Remamos numa cerração de palavras que merecem banimento, sobretudo aquelas
dirigidas contra as minorias, aos mais pobres e fragilizados da nossa sociedade. Aurora aguardada. Remamos
ao compasso da pergunta: Onde está o farol da justiça?
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