sábado, 15 de agosto de 2020

A ESPERANÇA ESTÁ NA AURORA

Aurora em cerração (Arquivo JRS)

                De vez em quando eu fico pensando na maravilha que é a nossa fala, o quanto é determinante as palavras no nosso ser, aos seres humanos. Imagino, ao longo do tempo de nossa vida na Terra, os grunhidos virando palavras, constituindo linguagens e línguas, dando significado ao estar  juntos, formar famílias, guerrear, sair pelo mundo, estudar, trabalhar etc. Não é pelas palavras que justificamos os nossos comportamentos a cada dia? Tomemos o exemplo da justiça. Não tem como discordar que, para o sucesso da vida em sociedade, é necessário que a justiça prevaleça. E, já entro em sucesso, que lembra coisa boa, algo que deu certo, causando a felicidade. Assim, a vida em sociedade, para ser um sucesso, precisa ser constantemente aperfeiçoada. Neste processo, a justiça é o farol.

                O que é um farol? É uma luz a iluminar uma rota, um caminho. Quem nunca fez a experiência de precisar de uma luz, uma lanterna para poder caminhar na escuridão, entre obstáculos? Um farol é a principal referência ao navegante errante nos vagalhões do mar da vida. Um dia, o saudoso Hilário me contou a aventura em romper o mar na cerração: “Eu e minha amada combinamos de, na madrugada, deixar a casa dela, a praia onde nasceu e se criou. Escolhemos um lugar longe dali, onde faríamos a nossa família. Fizemos isso porque o pai dela não permitiria nunca o nosso casamento. Rolamos a canoa para baixo e embarcamos tendo apenas as roupas do corpo. Só que fomos surpreendidos por uma cerração, onde nada se enxergava. Gastamos o dobro do tempo para alcançar nosso destino porque não se via nada. As sombras que passavam nos enganavam, os sons distantes também não eram verdadeiros. Sorte nossa que eu tenho um nariz muito bom, capaz de sentir cheiros bem de longe. Assim soube que estava chegando na Ponta da Fortaleza, pois ali perto, no Saquinho, havia um chiqueiro de porco da Velha Maria, mãe da Carmelina e do Zacarias. Foi a nossa livrança. Aurora veio, foi acolhida pela minha gente. Dali em diante nenhuma cerração poderia nos atrapalhar. No fim tudo deu certo.  Aí estão nossos filhos e netos para comprovar o nosso sucesso. Era para ser assim”.


            Pode-se pensar tudo? Lógico que pode! Pode-se falar tudo? Não, lógico que não! Por exemplo, não podemos permitir a livre expressão de ideias discriminatórias, de injúrias, de perseguições, de negação de direitos essenciais etc.  Se queremos uma sociedade feliz para todos, palavras que contrariam ou deturpam a justiça não podem se multiplicar livremente. Palavras que espalham ódio menos ainda! Jamais poderia ocupar um poder de fala, um cargo público, um sacerdócio, quem dá destaque a tais discursos de ódio que resultam em infelicidade geral, em ruína na sociedade.



                Agora são tempos difíceis! Remamos numa cerração de palavras que merecem banimento, sobretudo aquelas dirigidas contra as minorias, aos mais pobres e fragilizados da nossa sociedade. Aurora aguardada. Remamos ao compasso da pergunta: Onde está o farol da justiça?

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