Quando o sol aparecer (Arquivo JRS) |
Quando chega o tempo de inverno,
lembro-me de cobertores. Como é bom estar quentinho, debaixo de uma coberta que
possibilita um bom descanso para se preparar ao novo dia! No tempo da minha infância, nós tínhamos
uns cobertores ralos, curtos, do tipo que cobria a cabeça, mas descobria os
pés. Cobertores de pobres, do tipo tomara que amanheça logo, ainda são abundantes
por aí!
Antes de entrar na escola, a palavra índio
estava longe de nós, do mundo caiçara. Foi estudando que aprendemos sobre os
tupinambás, os primeiros moradores deste território onde fica Ubatuba, das
perseguições até a total dizimação por parte dos invasores europeus ávidos por
lucros a qualquer custo. Graças a professores mais conscientes do ato de
ensinar, a partir das verdades que eram censuradas, aprendi que muitas tribos
indígenas desapareceram do Brasil porque recebiam roupas e cobertores
contaminados, infectados com doenças letais a seus organismos. Em seus lugares
brotaram latifúndios que, de geração em geração, dominam o país até hoje. Pior:
continuam dizimando os poucos índios restantes para amealhar mais terras. A violência continua. Isso
me revolta até hoje, está gravado em meu ser. Como pode isso? Isso continua
podendo!
Os mais pobres, os mais
excluídos continuam fragilizados e ainda estão sendo atacados. Você não enxerga
assim? Coisa ruim, sinal quase certo de que já está infectado por cobertores da morte! Vale relembrar esta frase do padre Júlio
Lancelotti, um servidor do povo da rua na capital paulista: “Se neste mundo excludente, elitista, cheio
de contrastes, você não tiver uma certa dose de rebeldia é porque você se
adaptou, se domesticou a esse modelo”. Agora, em tempo de escolas
particulares e outros querendo a volta às aulas porque seus lucros diminuíram demais, gente que apoia um presidente que continua ignorando as medidas capazes de
controlar a pandemia do momento, resta denunciar a mesma história dos
cobertores infectados usados contra os povos originários do nosso país, mas com
uma atualização: os professores serão vetores da Covid-19. Passando por diversas escolas, tendo contato com uma clientela
bastante diversificada, enfrentado lotações em condições sempre inadequadas, os
professores certamente serão cobertores infectados. Lógico que as crianças de posses, herdeiras em
melhores condições de moradias, com pais e avós podendo usufruir de condições
de tratamento em outros patamares, a doença pode passar sem deixar marcas. Só que, entre os nossos estudantes, sendo maioria das escolas públicas, vivendo em bairros
que mal têm saneamento básico, habitando em casas onde se apertam em pequenos
cômodos mais de uma geração, e, dependendo do sistema público de saúde, a morte pode se alastrar. Sem contar que cada docente tem seus familiares, inclusive membros do grupo de risco (idosos, diabéticos, cardíacos...), e, após a sua jornada diária, lá segue ele com uma possível carga mortífera às costas em direção ao lar.
Encruzilhada; momento de decisão. Só tendo uma dose de rebeldia
evitaremos prestar a esse papel exterminador de cobertores infectados, de cobertores
da morte. Tomara que o dia amanheça!
Nenhum comentário:
Postar um comentário