terça-feira, 22 de janeiro de 2013

LIÇÕES DE SÉCULOS




                A natureza é uma constante fonte de aprendizado. Basta “botar reparo”, conforme dizia o vovô Armiro, “para saber o que tudo em nossa volta quer nos dizer”. E indicava os urubus em grande quantidade voando perto da Pedra da Igreja: “Sinal de vento sudoeste chegando ainda hoje”.  Não tinha motivo para se alvoroçar porque “no bananal do Sul acabou o corte da banana; nem carece de escoramento. E com balaios e gamelas cheios, não há precisão de sair de canoa (para pescar)”.
                É continuando a manter na lembrança esse princípio de gerações, repassado desde menino, como parte de uma lição cultural, que eu continuo a observar os mínimos detalhes que consigo captar. Ainda ontem, caminhando pelo Horto Florestal bem cedo, senti cheiro de cobra no trajeto. Pensei: ela está bem perto; me percebe bem antes disso pela vibração das minhas passadas. Se for brava não foge, aguarda em bote. Então redobro a atenção. Estaco ali mesmo à procura de outro sinal. Não demora muito para avistar um rabo preto desaparecer entre helicônias. Ainda bem que recebi, pela cultura caiçara, esse talento! Vai cobrinha! Segue o seu destino!
                E o quer dizer de formiga em correção, morro acima? Você nunca viu isso? É sinal de muita água, de rios e baixadas serem alagadas muito brevemente.
                Em certa ocasião, coletando coco indaiá com a vovó Martinha, no Morro dos Amorim, que homenageia os nossos primeiros desse ramo genealógico,  aqueles que vieram de Angra dos Reis fugidos, depois de um fatal encontro com um cobrador de impostos do Império, houve uma afobação repentina: “Vamos correr, meu filho! A vargem vai inundar. E não  vai custar muito. Vamos ligeiro!  Ai minha Nossa Senhora! Em outro dia a gente volta para levar o cacho que já foi cortado. Vamos correr!”. E era certo. Bastou botar o pé em casa para descer um mundo de água. Em seguida se ouvia a tormenta descendo e arrasando as terras da vargem. Na hora eu já lhe perguntei :
                - Como foi que a senhora sabia dessa chuva forte, vovó?
                - Foi no momento que a gente estava rente da embaúba , no  Carreiro da Anta. As formigas subiam desesperadamente, empretejaram todo o tronco.
                E acrescentou com uma questão:
                - Você não reparou, perto do barranco do rio, que até os sapos subiam para as grimpas das árvores maiores? Fuja depressa quando avistar sinais assim. Bem ligeiro procure lugar alto, longe de vargem, de beirada de rio e de grotas.
                É isso! Na natureza, todos os seres têm um saber instintivo! Nós também temos tal saber, além da herança cultural e do aprendizado que é constante (por curiosidade e admiração). Porém, parece que vamos perdendo uma conectividade milenar, deixando de nos comunicar com esse mundo natural, desconhecendo uma ordem longamente estabelecida.
                Perder a intimidade com a natureza, desprezar os vínculos de interdependência que nos faz Filhos da Terra, pode custar caro. É assim que eu vejo a tragédia recente em que quatro pessoas, ainda jovens, se banhavam alegremente numa cachoeira no Sertão da Sesmaria, no Ubatumirim, nas terras dos finados Jean-Pierre e Silvia Patural, cuja saga eu já narrei em outra ocasião. Inegavelmente os sinais existiram. Porém, os coitados não os perceberam ou não souberam interpretá-los. Infelizmente o resultado: encontraram a morte contra as pedras, na correnteza súbita. Meus pêsames aos familiares.

Um comentário:

  1. Um professor que da grandes lições e induz a grandes reflexões até fora da escola. Isto é raro hoje em dia =).
    Texto incrível mesmo, é triste que algumas pessoas não saibam dar valor a algo tão importante como a natureza e nossa cultura.
    (Blog seguido e compartilhado.)

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