Que limão tão diferente! |
Da
porta da casa da Vó Maria se avista uma mata linda. Bem perto tem um rio sempre
ruidoso a correr entre as pedras. Passarinho é demais! Pios e cantos se
misturam em muitas cores.
A
Vó Maria cresceu nas terras do pai, numa área entre o Araribá e o Rio da Prata,
mas ainda dentro do município de Ubatuba, “para os lados do Sul”. “Era terra
onde se tinha de tudo. O cafezal era muito grande. De toda fruta havia lá”.
Hoje, na beira da cachoeira do Ipiranguinha, ela vive praticamente só desde que
o seu filho caçula morreu.
Há
alguns anos, em véspera de uma entrevista para um trabalho acadêmico a respeito
de causos, em sua fala chamou-me a atenção uma expressão, numa análise de
determinada pessoa: “Não sabe cavar a vida”.
Pensei
pouco porque a sua explicação veio logo:
-
Meu filho, a vida tá aí, mas não tá aí. Pra descobrir ela é preciso cavar. É
como se dissesse que viver é fácil e viver a vida é difícil. Você sabe por que
o mundo tá assim, tudo mudado? É que muita gente não sabe cavar a vida. Pensam
que basta fazer tudo que “der na telha”. Eu digo que não. Isto seria só viver.
E
continuou:
-
Cavar a vida é prever as consequências das coisas que fazemos, dos passos que
damos, ou que podemos avançar.
Depois
de uma caneca de café acompanhado de um naco de pão sovado, enquanto
apreciávamos o Zarur (seu filho) em seu artesanato (escolhendo raízes, pedras e
cores para as suas composições telúricas), mais reflexões apresentou a vozinha:
-
Tais vendo este copo, meu filho? Agora já tá quase no fim, mas muita coisa cabe
nele! O que eu quero dizer é que cada um de nós, a começar de criança, deve
aprender a enxergar o copo cheio. Todo mundo devia ensinar assim. Agora eu vejo
e escuto muita coisa errada. A minha vizinha, professora de criancinhas, me
contou que a ordem, ainda que não dita tão diretamente, é de empurrar a
criançada pelas séries, mesmo que não esteja aprendendo o que precisava. Ela
disse deste jeito: “O governo quer assim”. É o que eu quero dizer: uma criança
dessa –coitada! – nunca vai aprender a enxergar o copo cheio. Faz-me lembrar o
compadre Luiz Gonzaga, da praia do Flamengo, depois da Ribeira. Foi quem
explicou há muito tempo, lá em casa, a respeito de um monstro antigo por nome
de Leviatã. Conforme a crença de um lugar por nome de Fenícia, quando tudo era
bagunça, esse monstro imperava. Pelo que estou vendo, só falta esse tal de
Leviatã voltar de novo, aparecer por aí. Cruz-credo!
É
isso mesmo! A sua benção, Vó Maria.
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