Olá, Mariana Tudan! Bem-vinda! O Baéco é o de camiseta branca. (Arquivo Canoas) |
Em
tempo de volta às aulas, aproveito para ler um pouco mais o trabalho do caiçara
Gilberto Chieus Junior, apresentado na Unicamp, em 2002.
O
Gilberto, descendente dos proprietários da Fazenda Velha, localizada na Estrada
do Monte Valério, fabricantes da pinga ubatubana até o início da década de
1980, também estudou comigo na escola
Deolindo. Depois do ensino médio , tendo
como companheira a Fátima, minha amiga de infância na praia do Sapê, seguiu o
rumo daquilo que gostava: a matemática. Para encurtar a apresentação: hoje, em
Campinas, faz parte da equipe docente da Unicamp.
O seu trabalho de dissertação de mestrado gerado junto aos alunos e professores
do bairro do Puruba é:
Matemática caiçara – etnomatemática contribuindo
na formação docente.
Eu
achei muito legal a escolha do Gilberto, a sua volta às origens, ao nosso
lugar, para aprofundar os seus conhecimentos a partir do conhecimento prático
do povo caiçara. Para início de conversa, apresento a etnomatemática conforme
está no documento:
“Etno
é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e, portanto, inclui considerações como linguagem, jargão,
códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de
conhecer, de entender; tica, sem
dúvida vem de tecne, que é a mesma raiz de arte e técnica. Assim, etnomatemática é a arte ou
técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”.
(D’Ambrósio, 1998).
Os
princípios que levaram o Gilberto a escolher essa linha de trabalho foi a
preocupação básica da maioria dos docentes, ou seja:
“É
necessário que os alunos vão ao encontro do conhecimento sistematizado que o
professor leva até a sala de aula, para que a aprendizagem ocorra. O professor,
por sua vez, deve partir do universo de conhecimentos do aluno para atingir
seus objetivos. Dessa forma, ele estará fazendo a ponte entre o seu saber e o
contexto sociocultural do educando”. É quando se chega uma constatação
básica: “Os elementos culturais também
poderão proporcionar para o trabalho pedagógico contato com materiais concretos”.
Neste quesito, a atividade, inevitavelmente, recebe o nome de atividade extraclasse,
ou seja, quando os alunos exclamam: “Oba! Vamos passear!”.
Hoje
eu escolhi uma dessas atividades extraclasse realizada por alunos da escola do
Puruba, a “Belarmino”. Trata-se de um texto entremeado de fotografias a partir
de uma visita à “Turma do Acrísio”, no Sertão do Ubatumirim. É mais uma
sugestão de possibilidade de atividade a partir do nosso entorno, da nossa
cultura caiçara. Apreciemos, então, o relato:
“Terça-feira,
dezessete de agosto, saímos de nossa escola, por volta das treze horas. Pegamos
o ônibus circular, acompanhados dos professores: Bernardo, Bira e Gilberto e
fomos para o Sertão do Ubatumirim.
Chegando lá, fomos
recebidos por um senhor caiçara, construtor
de canoas, que tem o apelido de Baéco. Em seguida, na companhia deste senhor, nos dirigimos para uma pequena estrada e caminhamos
por mais ou menos sessenta minutos, pois estávamos conversando e andando
devagar. Nesta estrada havia casas, bares, campo de futebol, carro quebrado e
uma ponte de madeira sobre o rio que passa pelo bairro. Num determinado ponto da
estrada havia uma trilha onde paramos na entrada e o professor reuniu o grupo e
fotografou. Entramos pela trilha, onde o solo era muito úmido e escorregadio
devido à vegetação ser muito densa.
Caminhamos na
trilha por mais ou menos cinco minutos. Havia muitos borrachudos e ouvimos, ao
longe, o canto da araponga. De repente, a trilha terminou num enorme tronco de
árvore caído. Era um ingá amarelo, árvore própria para fazer canoas. Este
tronco já estava esboçado e pronto para ser ocado. Ele media mais ou menos nove
metros de comprimento.
O construtor, munido de uma motosserra, começou
a nivelar o tronco. Pediu a ajuda de dois alunos para fazer a medição. Enquanto
todos observavam, ele passou a ocar o tronco com um instrumento chamado enxó.
Começamos a questioná-lo sobre a idade da árvore: tinha mais ou menos cem anos;
sobre os instrumentos usados para a construção da canoa: eram enxós de três
tipos, motosserra e machado; sobre os instrumentos para medir: usava barbante
embebido em água e carvão e três pedaços de madeira de diferentes tamanhos. Ele
esticou dois pedaços de barbante, um de cada lado do tronco e, juntamente com
as madeiras, marcou a borda da canoa. Pegou o enxó e começou a cavocar, no lugar
onde havia desenhado, com a motosserra, uma espécie de xadrez.
Aproveitamos a
oportunidade e fotografamos o trabalho de construção da canoa, alguns tipos de
árvores e a nós mesmos.
Permanecemos no
local por mais ou menos duas horas e, depois, retornamos pelos mesmos caminhos
até o ponto do ônibus”.
Sem dúvida
nenhuma que esses alunos já estão marcados por essa experiência gerada a partir
da sensibilidade de um professor, pelo
aprendizado proporcionado a partir da
prática do Baéco! Em outra ocasião eu
comento mais coisas do trabalho, inclusive as fotografias do Gilberto Chieus.
Em tempo (I): O Baéco, recentemente, passou um período no
continente africano trabalhando com madeiras. Tenho certeza que este caiçara também
andou ensinando aos angolanos a fazer canoa caiçara, uma das mais belas do mundo.
Você duvida?
Em tempo (II): Eu recomendo, para um
primeiro contato no reconhecimento de ferramentas e outros instrumentos que
acompanharam os caiçaras, a visita ao Museu
Caiçara, localizado no Projeto Tamar, em Ubatuba).
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