domingo, 27 de janeiro de 2013

MATEMÁTICA CAIÇARA

Olá, Mariana Tudan! Bem-vinda! O Baéco é o de camiseta branca. (Arquivo  Canoas)

  
                Em tempo de volta às aulas, aproveito para ler um pouco mais o trabalho do caiçara Gilberto Chieus Junior, apresentado na Unicamp, em 2002.
                O Gilberto, descendente dos proprietários da Fazenda Velha, localizada na Estrada do Monte Valério, fabricantes da pinga ubatubana até o início da década de 1980, também estudou comigo  na escola Deolindo. Depois  do ensino médio , tendo como companheira a Fátima, minha amiga de infância na praia do Sapê, seguiu o rumo daquilo que gostava: a matemática. Para encurtar a apresentação: hoje, em Campinas, faz parte da equipe docente da Unicamp. O seu trabalho de dissertação de mestrado gerado junto aos alunos e professores do bairro do Puruba é:

                Matemática caiçara – etnomatemática contribuindo na formação docente.

                Eu achei muito legal a escolha do Gilberto, a sua volta às origens, ao nosso lugar, para aprofundar os seus conhecimentos a partir do conhecimento prático do povo caiçara. Para início de conversa, apresento a etnomatemática conforme está no documento:

                Etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e,  portanto,  inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; tica, sem dúvida vem de tecne, que é a mesma raiz de arte e  técnica. Assim, etnomatemática é   a  arte  ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”. (D’Ambrósio, 1998).

                Os princípios que levaram o Gilberto a escolher essa linha de trabalho foi a preocupação básica da maioria dos docentes, ou seja:
 “É necessário que os alunos vão ao encontro do conhecimento sistematizado que o professor leva até a sala de aula, para que a aprendizagem ocorra. O professor, por sua vez, deve partir do universo de conhecimentos do aluno para atingir seus objetivos. Dessa forma, ele estará fazendo a ponte entre o seu saber e o contexto sociocultural do educando”. É quando se chega uma constatação básica: “Os elementos culturais também poderão proporcionar para o trabalho pedagógico contato com materiais concretos”. Neste quesito, a atividade, inevitavelmente, recebe o nome de atividade extraclasse, ou seja, quando os alunos exclamam: “Oba! Vamos passear!”.
                Hoje eu escolhi uma dessas atividades extraclasse realizada por alunos da escola do Puruba, a “Belarmino”. Trata-se de um texto entremeado de fotografias a partir de uma visita à “Turma do Acrísio”, no Sertão do Ubatumirim. É mais uma sugestão de possibilidade de atividade a partir do nosso entorno, da nossa cultura caiçara. Apreciemos, então, o relato:

                “Terça-feira, dezessete de agosto, saímos de nossa escola, por volta das treze horas. Pegamos o ônibus circular, acompanhados dos professores: Bernardo, Bira e Gilberto e fomos para o Sertão do Ubatumirim.
                Chegando lá, fomos recebidos por  um senhor caiçara, construtor de canoas, que tem o apelido de Baéco. Em seguida, na companhia deste senhor,  nos dirigimos para uma pequena estrada e caminhamos por mais ou menos sessenta minutos, pois estávamos conversando e andando devagar. Nesta estrada havia casas, bares, campo de futebol, carro quebrado e uma ponte de madeira sobre o rio que passa pelo bairro. Num determinado ponto da estrada havia uma trilha onde paramos na entrada e o professor reuniu o grupo e fotografou. Entramos pela trilha, onde o solo era muito úmido e escorregadio devido à vegetação ser muito densa.
                Caminhamos na trilha por mais ou menos cinco minutos. Havia muitos borrachudos e ouvimos, ao longe, o canto da araponga. De repente, a trilha terminou num enorme tronco de árvore caído. Era um ingá amarelo, árvore própria para fazer canoas. Este tronco já estava esboçado e pronto para ser ocado. Ele media mais ou menos nove metros de comprimento.
                O  construtor, munido de uma motosserra, começou a nivelar o tronco. Pediu a ajuda de dois alunos para fazer a medição. Enquanto todos observavam, ele passou a ocar o tronco com um instrumento chamado enxó. Começamos a questioná-lo sobre a idade da árvore: tinha mais ou menos cem anos; sobre os instrumentos usados para a construção da canoa: eram enxós de três tipos, motosserra e machado; sobre os instrumentos para medir: usava barbante embebido em água e carvão e três pedaços de madeira de diferentes tamanhos. Ele esticou dois pedaços de barbante, um de cada lado do tronco e, juntamente com as madeiras, marcou a borda da canoa. Pegou o enxó e começou a cavocar, no lugar onde havia desenhado, com a motosserra, uma espécie de xadrez.
                Aproveitamos a oportunidade e fotografamos o trabalho de construção da canoa, alguns tipos de árvores e a nós mesmos.
                Permanecemos no local por mais ou menos duas horas e, depois, retornamos pelos mesmos caminhos até o ponto do ônibus”.
                Sem dúvida nenhuma que esses alunos já estão marcados por essa experiência gerada a partir da  sensibilidade de um professor, pelo aprendizado proporcionado a partir  da prática do Baéco! Em outra ocasião eu comento mais coisas do trabalho, inclusive as fotografias do Gilberto Chieus.

          Em tempo (I):  O Baéco, recentemente, passou um período no continente africano trabalhando com madeiras. Tenho certeza que este caiçara também andou ensinando aos angolanos a fazer canoa caiçara, uma das mais belas do mundo. Você duvida?

  Em tempo (II): Eu recomendo, para um primeiro contato no reconhecimento de ferramentas e outros instrumentos que acompanharam os caiçaras, a visita ao Museu Caiçara, localizado no Projeto Tamar, em Ubatuba).  

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