quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ESPERANDO ESFRIAR



                Contava o finado tio Dário que, numa ocasião, reparando numa ardentia no largo do Lázaro, um pouco para fora da Laje Grande, nem percebeu o Lodônio da Barra que foi se encostando por ali, na velha amendoeira do Porto da Igreja.

                A maré vazia estava convidativa para uma pescaria de sargo na costeira do Cambiá. Nesta intenção entabulavam uns acertos. Iriam depois de pegar guaroçás como isca. É muito bom! Foi quando,no lagamar, eles repararam na Mariquinha, filha do tio Arseno, que passava recolhendo sapinhaoá num balaio.

                De acordo com o contador do fato, essa era a moça mais bonita do lugar. Conforme era o costume, casou-se bem nova com gente dos Inocêncio, do Mar Virado. Tristeza para alguns, alegria de muitos: em menos de um ano estava viúva. Era a “viúva fresca do lugar”. O marido, ainda bem jovem, foi vítima de afogamento numa pescaria de caçoa entre a ilha natal e a Praia Deserta.

                Ao reparar na recém viúva, o assanhado Lodônio suspirou confiante:

                - Só estou esperando esfriar.

                Nessa parte eu não entendi nada. Pedi explicações ao tio Dário. Ela veio meio que atravessada:

                - Você sabe do acontecido entre o urubu faminto e o gavião cheio de querer levar o melhor? Não?! Então lhe  conto agora! Certa vez, percebendo um urubu faminto num galho, o gavião começou uma lenga-lenga desagradável. Disse que o urubu tinha que sofrer mesmo. Afinal, quem mandou viver de seres mortos, de carniça, sem talento para caçar? Ele, ao contrário, a qualquer momento caçava, ninguém escapava de suas garras etc. Por isso que era forte, tinha saúde e estava sempre disposto. No mesmo momento, vendo passar uma rolinha, já se desesperou atrás da coitada. Por sorte da vítima, havia nas imediações um bambuzal,  onde buscou socorro. O gavião, fissurado que estava, também se enfiou entre as varetas. Era tamanha a vontade de se exibir e a gana de estraçalhar a pacata rolinha, que nem enxergou um bambu cortado em ponta, de viés. Enterrou-se com toda a força, ficando atravessado pela farpa cortante. Calmamente o urubu se aproximou e ouviu o lamento do gavião que já não tinha mais como ostentar nenhum orgulho e prepotência. Depois, ainda mais tranquilo, ele disse olhando bem no agonizante: “A vida é assim. Você viveu de um jeito e eu vivo deste jeito. Agora eu só estou esperando você esfriar”.

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