Contava
o finado tio Dário que, numa ocasião, reparando numa ardentia no largo do
Lázaro, um pouco para fora da Laje Grande, nem percebeu o Lodônio da Barra que
foi se encostando por ali, na velha amendoeira do Porto da Igreja.
A
maré vazia estava convidativa para uma pescaria de sargo na costeira do Cambiá.
Nesta intenção entabulavam uns acertos. Iriam depois de pegar guaroçás como
isca. É muito bom! Foi quando,no lagamar, eles repararam na Mariquinha, filha
do tio Arseno, que passava recolhendo sapinhaoá num balaio.
De
acordo com o contador do fato, essa era a moça mais bonita do lugar. Conforme
era o costume, casou-se bem nova com gente dos Inocêncio, do Mar Virado. Tristeza
para alguns, alegria de muitos: em menos de um ano estava viúva. Era a “viúva
fresca do lugar”. O marido, ainda bem jovem, foi vítima de afogamento numa
pescaria de caçoa entre a ilha natal e a Praia Deserta.
Ao
reparar na recém viúva, o assanhado Lodônio suspirou confiante:
-
Só estou esperando esfriar.
Nessa
parte eu não entendi nada. Pedi explicações ao tio Dário. Ela veio meio que
atravessada:
-
Você sabe do acontecido entre o urubu faminto e o gavião cheio de querer levar
o melhor? Não?! Então lhe conto agora! Certa
vez, percebendo um urubu faminto num galho, o gavião começou uma lenga-lenga
desagradável. Disse que o urubu tinha que sofrer mesmo. Afinal, quem mandou
viver de seres mortos, de carniça, sem talento para caçar? Ele, ao contrário, a
qualquer momento caçava, ninguém escapava de suas garras etc. Por isso que era
forte, tinha saúde e estava sempre disposto. No mesmo momento, vendo passar uma
rolinha, já se desesperou atrás da coitada. Por sorte da vítima, havia nas
imediações um bambuzal, onde buscou socorro.
O gavião, fissurado que estava, também se enfiou entre as varetas. Era tamanha
a vontade de se exibir e a gana de estraçalhar a pacata rolinha, que nem
enxergou um bambu cortado em ponta, de viés. Enterrou-se com toda a força,
ficando atravessado pela farpa cortante. Calmamente o urubu se aproximou e
ouviu o lamento do gavião que já não tinha mais como ostentar nenhum orgulho e
prepotência. Depois, ainda mais tranquilo, ele disse olhando bem no agonizante:
“A vida é assim. Você viveu de um jeito e eu vivo deste jeito. Agora eu só
estou esperando você esfriar”.
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