terça-feira, 30 de outubro de 2012

MESMO SEM FESTA ALGUMA


Praia da Fortaleza, onde nasceu a minha mãe.


Recebi a seguinte mensagem ontem, um dia após o aniversário da cidade de Ubatuba:
“Zé, é preciso mostrar indignação quanto a falta do desfile da cidade no seu aniversário. Nem na TV a Associação Comercial colocou nada à respeito, pois os Candidatos deles perderam. Então deu para perceber qual o apego que que eles têm por Ubatuba”.
É o povo que está percebendo as coisas e fazendo julgamentos. Também “passou em branco” o Baile dos Professores. E o que dizer das obras largadas, sem conclusão?
Eu só lamento que a gente não cultive a memória ao máximo, que deixemos tanto a desejar neste aspecto. Os causadores dessas  penúrias continuam por aí, vão se candidatar em outras ocasiões e têm chances de se tornarem novamente encostos sobre patrocínio dos nossos sacrifícios.
Eu acredito que o pessoal do jurídico (da equipe de transição do prefeito eleito) vai realizar um trabalho sério das comentadas irregularidades e cobrará justiça desses chupins dos bens público deste município. Só está faltando a esses elementos a intervenção na Procissão das Almas no próximo Finados. Cruz credo!
A propósito, sabe o que é chupim? É um passarinho do tamanho de um sanhaço, de cor preta; tem hábito predador. Ele destrói os ovos dos outros e deixa os seus no ninho alheio para que cuidem dos seus filhotes.
            Em tempo: eu fiquei sabendo que, desde ontem (29/10) os alunos de duas classes da Praia da Fortaleza estão se deslocando para a escola da Praia Dura, distante mais de sete quilômetros. O motivo? Agora, no final do ano, teve início a reforma da escola local. O que vocês me dizem disto?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

NOSSOS BENS, NOSSAS LEIS



                A partir da Constituição Federal (1988), saíram as novas constituições estaduais e municipais do Brasil. A da nossa Ubatuba é de 1990; deve nos reger até quando a Lei Maior perdurar. Foi pensando em novas atitudes em relação a nossa cultura e ao nosso local que ajudamos no projeto recente do Museu Caiçara. Esperamos um grande empenho para avançarmos. Afinal, de iniciativas assim poderemos nos engajar com um grupo mais forte no capítulo II (da competência do município), em seu artigo 5º, incisos III e IV. Diz lá:
                O Município tem como competência concorrente com a União e o Estado, entre outras, as seguintes atribuições: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, bem como garantir o uso público das áreas de interesse turístico, zelando pela segurança das pessoas que frequentam essas áreas através de medidas de prevenção de acidentes. Impedir a evasão, a destruição e a descaracterização das obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural.
               
Projeto: Nossa Praça Viva [em Ubatuba]
AAMuC

Ubatuba tem lugares privilegiados que nem estão catalogados como potenciais de transformação da cidade. Também tem muitas pessoas dispostas a contribuírem nos atalhos da memória. Da nossa memória! A nossa Praça 13 de Maio é a escolhida para a primeira oficina de memória.
Objetivos
1. Recuperar e recolher imagens da praça (fotografias, gravuras e outras).
2. Recuperar e recolher textos que fazem referência à praça (artigos de jornais, convites, contos, poesias etc.).
3. Estimular a produção de textos a partir da memória das pessoas em convivência com a praça.
4. Criar um vídeo com depoimentos de pessoas sobre algum fato que envolveu a praça.
5. Catalogar, identificar e emplacar com nome científico e popular todas as árvores existentes na praça. Cada árvore receberá um nome de gente, em homenagem às pessoas lembradas e citadas nos textos e depoimentos.
6. Promover, no dia 13 de maio de 2013 uma amostra de textos, imagens, poesias, músicas, jograis, observação de pássaros etc., tendo como tema a praça 13 de Maio.
7. 2ª etapa - Do material recolhido, editar um livro sobre o memorial “Praça 13 de Maio, em Ubatuba”.
O Museu Caiçara pede a todas as pessoas que tenham documentos, fotos, artigos, ou que possam escrever a sua lembrança sobre a praça 13 de Maio para colaborarem nessa empreitada.
A história de uma cidade é uma colcha de retalhos e cada retalho tem a sua história. Que as gerações futuras conheçam a história da nossa praça 13 de Maio. Ubatuba agradece!
Material como fotos, gravuras, textos antigos (de estima) será reproduzido (xerocopiado, escaneado ou digitado) e devolvido ao seu dono. Iremos em sua casa recolher o material.
Entre em contado pelos telefones (12) 9721-1673 e 3832-1371 ou através do e-mail: julinhomendes@terra.com.br.
Associação dos Amigos do Museu Caiçara - AAMuC
Museu Caiçara de Ubatuba
Rua Pescador “Antonio Athanásio da Silva”, 273 - Itaguá
Ubatuba - SP - CEP: 11.680-000







sábado, 27 de outubro de 2012

CHEIROS E LEMBRANÇAS


A sempre esperada florada da "Chico-Marli", a nossa orquídea.

               
                Num dia desses, numa roda de prosa, alguém puxou pelo assunto de cheiro. A motivação era um aroma agradável que se desprendia de alguma cozinha nas imediações. Saiu de tudo um pouco. Eu disse, por exemplo, que gosto do cheiro de fumo de rolo, mas detesto o do cigarro produzido pelas indústrias. Na mesma hora uma colega esconjurou a minha preferência. Justifiquei que talvez fosse pela lembrança dos meus antigos que fumavam um palheiro ou pitavam sossegadamente pelos caniços nos portais, em aceiros das roças ou simplesmente quando paravam na apreciação do mar. Só nunca vi nenhum deles fumando durante algum serviço. Ah! Tem o caso da minha vó Eugênia que, depois de todos se recolherem para dormir, ela acendia um pito e dava umas baforadas para se despedir do dia, tal como uma oração. Pelo canto da boca, entre baforadas tranquilas, saia o “Deus abençoe” dela aos filhos e netos. Da camarinha (quarto) a gente sentia o cheirinho que se espalhava pela casa.
                E o que dizer do cheiro do coentro do mato e da alfavaca numa pirão de peixe? E o manjericão no escaldado de  galinha?
                Quem nunca estacou ao sentir o perfume da dama-da-noite após o escurecer?
                E os perfumes dos ciosais, ingazeiros e robustos pés de tarumãs que nos cativam por determinados caminhos?
                Ah! O cheiro de peixe seco na brasa é  imbatível! Hoje poucos podem imaginar o que é uma bentrecha de cação ou uma posta de moreia nessas condições.
       Que vida cheirosa!

Em tempo: Infelizmente a internet tem atrapalhado um pouco  a rotina.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

DITO NUNES


Taturanas na mata (Arquivo Júlio)

               
                 Na Rua do Jipão, no princípio de 1990, à procura do Dito Nunes, o fazedor de carvão do Pé-da-Serra, eu parei. É que eu queria saber a razão do nome da rua (que na verdade era um trilho entre as árvores, a partir da Colônia de Férias). Foi o Chico Lopes quem deu a informação: o jipão era o veículo que puxava madeira para abastecer a serraria outrora existente na Esquina da Máquina (onde hoje está localizado um escritório da Sabesp e a sede da prefeitura, no entroncamento das ruas Paraná e Dona Maria Alves). Para comprovar a história, ele me conduziu a um lugar entre as pedras para que eu visse um grosso e enferrujado cabo de aço que era atrelado ao possante veículo. Impressionante! Aquilo estava lá desde a metade do século XX!
                Subindo um pequeno morro, logo avistei uma casa de pau-a-pique que expelia uma fumacinha pela chaminé. No varal, algumas peças simples de roupas nodosas indicavam a pobreza de seu habitante. Um cachorro sem raça definida não demonstrou nenhuma vontade de latir. Era só alegria. Ao redor só um mandiocal entre tocos calcinados. No caminho que seguia para o rio, bem na beira, havia um forno de barro. Ali o Dito Nunes fazia carvão. Ao nos avistar, ainda com um cigarro de palha no canto da boca, nos acolheu com um sorriso. Logo estava nos oferecendo bananas e se desculpando por não ter café no momento. Mesmo assim, de algumas folhas de capim-cidrão, preparou um gostoso chá para acompanhar uma panelada de mandioca cozida.
                Foi com o Dito Nunes e com o Chico Lopes que eu aprendi da cabreuva, da sassafrás, timbuíba e de tantas outras madeiras. Lá, pela primeira vez, admirei uma araponga e tantos pássaros desta terra (Ubatuba).
                Hoje, aquele mato desapareceu entre as casas pobres dos migrantes, sobretudo vindo do Estado de Minas Gerais. O Dito faleceu. Somente o Chico continjua passando por ali para chegar ao seu refúgio no meio da Serra do Mar, perto da Cachoeira das Pedras Brancas. Você não conhece esta maravilha?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

QUEM É DEUS?


                   
                 Para os caiçaras, alguns sinais através de outros seres desta terra são reveladores, preveem coisas com certa antecipação. Por exemplo: a correção de formigas morro acima é sinal de chuva muito intensa, que pode alagar tudo. Também é certo: sapos, saracuras e bugios, quando estão assanhados, fazendo o maior alvoroço, é chuva certa antecedida de vento sudoeste. Ventania anunciada é outra especialidade de grande quantidade de urubus, logo após o meio dia, no céu.
                Ontem, apesar de um luar maravilhoso, ao passar na gamboa da Estufa, escutei a festança batraquial entre as caxetas e bromélias. Disse à esposa: “Vai chover amanhã. Nem adianta estender roupas no varal de fora”.
                Hoje, ainda no escuro, encontrei o João. Logo chegou o Oscar e o Alcides, os irmãos caçadores, gente dos Nunes do (Ubatumirim). Então, perguntei ao João:
                - E aí, João!? Vai chover?
                - Se vai?!? A saracura é só gritaria na beira do taboal! Não tem como não cair água! A danada não erra!
                Imediatamente, na sua autoridade de caçador, o Alcides retrucou:
                - Ah, compadre! Saracura não é Deus! Se fosse bugio, sim!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O QUE É ISSO?


                Teve um tempo em que os jovens ubatubanos não eram convocados para o serviço militar. A justificativa, diziam, “é que somos reservas da Marinha do Brasil,”. Tem lógica! Afinal, morávamos na beira do mar; entendíamos muito bem disso em comparação aos pirangueiros e paulistanos. Porém, a minha turma foi convocada. Surpresa! Quem nos deu a inesperada notícia foi o saudoso Paulinho Andrade.
                E toma exames! Teve um que eu nem sabia que existia: o de Abreugrafia (tem até um dia no calendário – 4 de janeiro). Ele só era feito em Taubaté, há 100 quilômetros, depois da serra. E lá fomos nós serra acima.
                Lembro-me muito bem daquele dia em que eu e primo Cláudio embarcamos no expresso, enfrentamos uma cerração desde o Horto Florestal até depois de São Luiz do Paraitinga. Foi quando consideramos o motorista da empresa um ser fantástico. Precisava ver o talento nas curvas das perigosas ribanceiras! Depois, da rodoviária velha de Taubaté, começamos a andar na busca do lugar do tal exame. A gente não queria comer nada para não desinteirar o dinheiro (era pouco e não tínhamos ideia de quanto custaria o Exame de Abreugrafia).
                Chegamos ao local meio que assustados, fizemos o que tinha de ser feito, esperamos os resultados. O meu estava ótimo. Já o do Cláudio revelou alguma névoa nos pulmões. Na hora eu brinquei: “Não é nada não. Nem precisa se preocupar. É ainda um resto de cerração da estrada”.
                Após isso, reservamos o dinheiro da passagem de volta e, os miúdos que restaram serviram para meter a cara nas coxinhas (daquelas que tinham um osso para segurar) e tomar tubaínas. Que delícia!
                E o misterioso exame? Ah! Por que não disseram antes que se tratava de um raio X dos pulmões?

sábado, 20 de outubro de 2012

MIGRANTES EM SANTOS


Eis a orquídea Laurentina!

                No começo do século XX a crise em Ubatuba era medonha: não havia trabalho que pudesse gerar alguma renda, ser uma alternativa para amainar a subsistência dos que aqui sobreviviam. Restava, então, procurar outros lugares. Assim, a Baixada Santista era a preferência primeira. Talvez porque é beira mar, tem caiçaras, um mar para pescar e receber as lágrimas de saudade de filhos, de pais, de namoradas, de recantos inigualáveis da nossa cidade.

                Muitos, inclusive meus familiares, nunca mais voltaram. Outros muitos foram vencidos pela saudade. Nesses o Mingo se inspirou.

              
                DE VOLTA PRA CASA

                O que eu gostei mesmo

                quando voltei de Santos

                foi ser saudado

                pelos coqueiros do meu avô.

                E enquanto caminhei

                na estrada para nossa casinha,

                os acenos de saudação

                contagiaram toda a paisagem:

                As bananeiras,

                as laranjeiras,

                as  árvores todas,

                as sempre-vivas,

                as sempre-lindas,

                até as roupas no varal

                me acenaram boas-vindas.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ESPERANDO ESFRIAR



                Contava o finado tio Dário que, numa ocasião, reparando numa ardentia no largo do Lázaro, um pouco para fora da Laje Grande, nem percebeu o Lodônio da Barra que foi se encostando por ali, na velha amendoeira do Porto da Igreja.

                A maré vazia estava convidativa para uma pescaria de sargo na costeira do Cambiá. Nesta intenção entabulavam uns acertos. Iriam depois de pegar guaroçás como isca. É muito bom! Foi quando,no lagamar, eles repararam na Mariquinha, filha do tio Arseno, que passava recolhendo sapinhaoá num balaio.

                De acordo com o contador do fato, essa era a moça mais bonita do lugar. Conforme era o costume, casou-se bem nova com gente dos Inocêncio, do Mar Virado. Tristeza para alguns, alegria de muitos: em menos de um ano estava viúva. Era a “viúva fresca do lugar”. O marido, ainda bem jovem, foi vítima de afogamento numa pescaria de caçoa entre a ilha natal e a Praia Deserta.

                Ao reparar na recém viúva, o assanhado Lodônio suspirou confiante:

                - Só estou esperando esfriar.

                Nessa parte eu não entendi nada. Pedi explicações ao tio Dário. Ela veio meio que atravessada:

                - Você sabe do acontecido entre o urubu faminto e o gavião cheio de querer levar o melhor? Não?! Então lhe  conto agora! Certa vez, percebendo um urubu faminto num galho, o gavião começou uma lenga-lenga desagradável. Disse que o urubu tinha que sofrer mesmo. Afinal, quem mandou viver de seres mortos, de carniça, sem talento para caçar? Ele, ao contrário, a qualquer momento caçava, ninguém escapava de suas garras etc. Por isso que era forte, tinha saúde e estava sempre disposto. No mesmo momento, vendo passar uma rolinha, já se desesperou atrás da coitada. Por sorte da vítima, havia nas imediações um bambuzal,  onde buscou socorro. O gavião, fissurado que estava, também se enfiou entre as varetas. Era tamanha a vontade de se exibir e a gana de estraçalhar a pacata rolinha, que nem enxergou um bambu cortado em ponta, de viés. Enterrou-se com toda a força, ficando atravessado pela farpa cortante. Calmamente o urubu se aproximou e ouviu o lamento do gavião que já não tinha mais como ostentar nenhum orgulho e prepotência. Depois, ainda mais tranquilo, ele disse olhando bem no agonizante: “A vida é assim. Você viveu de um jeito e eu vivo deste jeito. Agora eu só estou esperando você esfriar”.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

MANIFESTO


Bem vinda, Denise! Não chore, Mafalda!

                Na semana passada, com um grupo de adolescentes de diversos pontos do lado Sul do município, fiz questão de dar a conhecer sobre manifestos.

                Manifesto é um recurso que temos para conscientizar e avançar em nossas lutas, nas coisas que acreditamos. Um exemplo bem conhecido, do século XIX, é o Manifesto Comunista, de K. Marx e F. Engels.

                Geralmente os manifestos trazem justificativa, meta e ação. Dos exercícios (manifestos) desenvolvidos em subgrupos, dois se destacaram: o primeiro conclamava os moradores de determinada rua e adjacências para exigir uma lombada que diminua a velocidade dos veículos por ali; o segundo, de outros adolescentes que se deslocam por longos caminhos até chegar na escola,  a motivação era de conseguir a liberação mais cedo das aulas para não anoitecer caminhando, tendo que chegar em casa já no escuro.

                É isto! O nosso entorno está repleto de motivos para manifestos! Eu tenho percebido que alguns temas são gritantes. É o caso da defesa dos nossos Caminhos de Servidão. Há alguns anos, o pessoal da Caçandoquinha, Raposa e praias próximas conseguiram desmanchar um desvio de trajeto que beneficiava somente um proprietário (turista), além de desconsiderar os marcos  tradicionais da comunidade caiçara daquela região. No presente momento, eu me angustio com o fechamento do Caminho das Praias de Fora. Pergunto: quem tem o direito de barrar a circulação das pessoas sobre os antigos rastros do nosso lugar? Vou mais longe: por que não se decreta, nos diversos pontos preservados, as Reservas Caiçaras (de preservação ambiental e cultural) para um ecoturismo e um turismo cultural?

                As atividades que estamos acompanhando nos dias de ontem e hoje no Parque Estadual da Serra do Mar, em Caraguatatuba, devem desembocar em manifestos pela cultura e preservação ambiental. Essa geração tem uma energia que pode ser a força de novos rumos, de novas atitudes! 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

LUGAR DE APRENDER



                Hoje e amanhã tenho uma tarefa especial: conduzir cerca de oitenta adolescentes numa atividade programada no Parque Estadual da Serra do Mar, em Caraguatatuba.

                O Parque é um lugar de aprender. Por isso insistirei para que cumpramos bem o nosso papel de aprendizes. Queremos aprender mais a partir do meio ambiente, ter este foco muito importante: preservar aquilo que nos dá vida.

                Tenho comigo desafios inevitáveis desde já:

                  1- Enfrentar as questões ambientais;

                2- Selecionar as boas ideias para a preservação ambiental;

                  3- desenvolver projetos para envolver mais gente nesta utopia de tornar o mundo melhor.

                Espero que os trabalhos rendam bons frutos. Afinal, não é apenas a geração do presente que precisa de um ambiente saudável e prazeroso.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

SAUDADES DE UMA VIDA


Mais uma imagem de regata no Rio Puruba para todos os seguidores, principalmente ao Diógilei e Lucas

                Coitada da Isaura! Agora, passando dos oitenta anos, já viúva, conforme dizer dos antigos caiçaras, “vive variando pela casa”.

                Para ajudar a compreender:

                A Isaura, assim que deixou a solteirice, por imposição do marido, deixou de ser católica para ser “crente” da Congregação Cristã do Brasil. Teve  que dar adeus às funções (bailes), às rezas e festas na capela da praia e às conversas  e visitas espontâneas aos vizinhos. Também deixou de frequentar as rodas de conversas tão comum após os momentos litúrgicos na capela São João Batista.  

                Após a conversão, novos hábitos tiveram de ser adotados. Os cabelos não poderiam ser cortados, o marido e os meninos teriam de andar sempre de calças compridas. As meninas deixaram de cultivar a vaidade como as demais da localidade. As vestimentas para se apresentar nos cultos nas praias Brava e do Lázaro, exigiram investimentos: eram ternos caprichados pelo alfaiate da cidade, o Mendes. Os vestidos não poderiam mais ser da chita floreada consumida pelas demais caiçaras. Era uma boa quantia do tão custoso dinheiro só para as roupas.

                O pior ficou para os santos, digo, imagens e miniaturas em gesso e cerâmica. Foram quebrados, queimados, enterrados, jogados nas costeiras ou nos penhascos. Os católicos somente lamentavam. Os “crentes” destoavam de uma história de séculos,  mas fazer o quê? Continuavam amigos, eram parentes, mesmo que vivessem à parte da comunidade. Nem dos pitirões (mutirões) eles participavam mais. Notadamente, outro espírito passou a nortear o meu povo. Destes “novos caiçaras” veio uma nova onda de capitalistas. Até hoje é assim: parece que o acúmulo de riquezas (dinheiro e bens) é sinal evidente da graça de Deus.

                Agora a Isaura está variando. Vive recitando as rezas da sua juventude, cantando as maravilhosas composições da sua religiosidade primeira. Reza terço diariamente. E xinga! Tudo isso faz parte das  saudades de um tempo bom, que marcou muito a querida Isaura. Será, então, que a coitada passou a maior parte da vida se reprimindo?

                Isto eu já li do Umberto Eco: “Recordar é selecionar”.

               

domingo, 14 de outubro de 2012

CONSTRUÇÃO DE CANOAS


Mulheres remadoras no rio Puruba.

                O ubatubense Gilberto Chieus Júnior, ex-colega do tempo de escola no “Deolindo”, mestre em Educação Matemática pela Faculdade de Educação da Unicamp, descendente dos donos da Fazenda Velha (produtora da pinga Ubatubana), em 2005 publicou, na Enciclopédia Caiçara (Volume IV), uma entrevista com os irmãos Néri e Manoel, mestres na construção de canoas no Sertão do Ubatumirim.

                Os irmão se alternam para explicar a arte desde a escolha da madeira, passando pelas medidas e outros detalhes. Essa pesquisa, que encerra os conhecimentos, cálculos e técnicas herdados dos mais antigos, desde a localização da árvore na mata até a conclusão da peça, é classificada como Etnomatemática. Vejamos então:

                Desde pequeninho eu comecei a trabalhar pra ajudar meu pai. Fazer canoa, com machado, aprendi com meu pai. Eu ia olhando o que meu pai fazia, via onde batia as linhas, os níveis, o prumo. Não tem como ensinar pra passar pro outro. Você vai olhando e vai aprendendo. Tudo no olhar. Meu pai, acho que foi com um livro que tinha antigamente. Ele viu. E com o meu tio. Meu tio fazia canoas e veio ajudar ele fazer. Depois passou pra nós. E até esses tempos que meu pai tirava eu nem era nascido. Meu pai já criava nós nisso aí. Meu pai criou oito filhos fazendo canoas. Aí ele separava a madeira. A madeira que aguenta fazer cabo, vai virar canoa, madeira pra ficar pro machado, madeira pra fazer gamela, tudo isso ele fazia. Aí a gente ia olhando, pra ver que madeira que era, que madeira que era boa pra fazer remo, tudo isso, não é qualquer madeira que serve. Tem que ser uma boa.

                [...] Ele olhava a olho, e copiava lá. Ele já tinha imaginação, cara. Quem sabe já tem na imaginação, já olha numa árvore e vê onde que é a canoa. Eu tenho isso. O meu pai tem isso, meu irmão Baéco. Eu já tenho a parte certinha da canoa, na tora.

                [...] Aqui você não enxerga nada... então você sobe em cima de morro e enxerga outro. Que madeira que é. O tipo que é, quando cai a folha, você conhece tudo. Então você pega aquele espigão ali, sobe o espigão que você que você acha ela lá, que madeira que é. Não vai lá pensando que é uma madeira que não presta. Vai procurar uma madeira que esteja com ferro, e esses negócios. Às vezes você está procurado um, acha o outro, a gente vai procurar uma árvore de um metro, você não acha essa de um metro, mas acha uns de sessenta, setenta, oitenta, aí você vem com aquilo na cabeça. Eu já sei onde tem a madeira está em tal lugar... é tudo assim... nunca perdemos o tempo em sair pelo mato e procurar pau da canoa. Já sabe mais ou menos onde é.

                [...] A canoa ele mede, é contrário de outras coisas, a gente mede no meio, e do meio pra fora. Canoa norma sete bocas [largura], canoa sobrecurta seis bocas e meia e meia canoa mais comprida sete bocas e meia. Uma canoa tem 0,80 cm de boca. Se tem sete bocas, ela vai medir 7 x 0,80 = 5,60 m.

                [...] Naquela época utilizava a palma da mão e a encomenda era feita da seguinte forma: quero uma canoa com quatro palmos ou três palmos e meio de boca. Como varia muito de cada pessoa, mudamos.

                Como vimos, é importante o registro de todos os aspectos da nossa cultura. Legal é também saber que esses conhecimentos embasam estudos em outros níveis teóricos.
                Desse pessoal, por todas as praias de Ubatuba, estão espalhadas as canoas saídas do Sertão do Ubatumirim.  São as lindas canoas caiçaras!

sábado, 13 de outubro de 2012

DA CEPA DOS GRAÇA


A bruxa tá solta. Tomara que sim!

                Estou num ônibus cheio. No momento que passo pela Enseada, vejo que a Cristina, ex- colega de escola, embarca. Logo estamos juntos e podemos conversar um pouco. Ela está esperançosa com os resultados das urnas no município. Confesso-lhe que somente a composição da Câmara Municipal não me agrada. Tirando uns dois nomes, os demais eu já conheço pelas omissões na gestão anterior. Outros, me baseando em seus panfletos de campanha, deduzo que estão mais preparados para discutir sexo de anjo do que apresentar propostas cidadãs. É esse o quadro. "A bruxa tá solta" afirmou a caiçara do jundu da Enseada.

                Por outro lado, sabemos que esse pessoal precisa ser acompanhado de perto. Ou seja, é urgente que grupos de reflexão política sejam formados nos bairros. De  suas discussões, inclusive a respeito dos rumos tomados pelo Legislativo e Executivo, podem sair os novos rumos que queremos para a sociedade ubatubense.

                Faço questão de dizer à Cristina que é inconcebível o fechamento do Caminho de Servidão das Praias de Fora (Canto do Góis, Tapiá, Pixirica, Xandra e Maria Godói). Porém, quem por primeiro tem mais autoridade para alterar isso são as comunidades próximas, sobretudo as das praias da Enseada e Toninhas. Ela, natural da Enseada, diz desconhecer o fato.  É isso mesmo!

                Em contrapartida, se referindo à atividade pesqueira, ela me apresenta um novo ponto de reflexão:

                - Você sabe, Zé, que muitos dos barcos que fazem a varredura nas águas próximas são de outras cidades ou até mesmo de outros Estados? Que, além de lucrar com os peixes e camarões daqui, não resultam em nenhum retorno lucrativo ao nosso município? E o que dizer da diminuição dos pescados aos nossos pescadores que vivem disso?

                - Pois é, Cristina! Sabe o que pode mudar esse quadro? É a formação de grupos de reflexão pelos bairros! E tem mais uma coisa nesse assunto de barcos de fora: o meu amigo Oscar, embarcadista da Ilha do Prumirim, há coisa de vinte anos, me contou que até embarcações do estrangeiro pescam em nossas águas. Na ocasião ele descreveu um barco japonês. Disse que era “um monstro fazendo muita avaria pelos lados do Mar Novo”. O mestre Silvio, natural da Praia das Taquaras, confirmou depois. Fazer o quê?

                Ah, Enseada! Chão que abriga ainda os Góis, os Giraud, os Lopes, os Henrique dos Santos, os Graça e tantas outras famílias que fazem parte da base caiçara!

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ALGUÉM TEM QUE FAZER



                Vou apostar na fala de um amigo para descrever o que acontece na esquina da minha casa (bairro do Ipiranguinha, em Ubatuba). Esclareço: o Julinho afirma que as suas denúncias têm sido notadas e resolvidas pelas autoridades competentes. Espero que também a minha receba uma atenção ou sirva de exemplo para que situações similares sejam denunciadas. É mais uma questão de civilidade. Afinal, as leis existem e muitos as cumprem. Em decorrência disto, os que são taxados de “bobos” são na verdade os cidadãos. Os outros são “sem noção” que contribuem com o atraso da sociedade ubatubense. Certamente que os últimos revelam uma carência educacional que se arrasta há muito tempo. Só uma educação de qualidade pode implantar um estado avançado de civilidade. O nosso espaço caiçara não pode continuar sendo degradado tão descaradamente!

                Há pouco mais de meia dúzia de anos, um “sem noção” se instalou por ali. Impressionante o que é capaz de fazer alguém que parece viver com a cabeça mais voltada para o dinheiro, para o ter em detrimento do ser! Só isso pode fazer compreender, por exemplo, porque um motorista devidamente habilitado torna-se  irresponsável, displicente, aproveitador da índole pacifista e/ou passiva do povo. E o pior: “sem noção” se multiplica rapidamente!

                Fiz essa introdução para entender o que vem a seguir:

                Ontem, ao chegar em minha casa para o almoço, o meio fio da esquina estava pintado de amarelo (ou ocre?). Me perguntei: Será que o departamento de trânsito municipal passou por aqui e percebeu que o dito cujo sempre estaciona os veículos (caminhões) na curva, pelas calçadas? Expressei em silêncio:  Aleluia! Porém, alguém que passava no local esclareceu que o serviço foi de uma dupla anônima. Então deduzi: mais gente, certamente da vizinhança ou de outras ruas do bairro, está descontente com as atitudes irresponsáveis de determinada pessoa. Só isso permite afirmar que as atitudes de um “sem noção” incomoda mais gente do meu entorno.

                Finalizo dizendo que não é de hoje que eu denuncio tais situações. As autoridades policiais e fiscalizadoras poderiam excursionar pelos nossos bairros, tomarem as atitudes cabíveis para tentar remediar os danos dos “sem noção”, dos que querem se aproveitar de uma terra que pode se tornar “terra sem lei”. Descobrirão edificações nas calçadas, praças públicas invadidas, carros estacionados por onde transitam os pedestres, esgotos a céu aberto, despejo irregular de resíduos estranhos pelas ruas e valetas, bicicletas e motos sobre canteiros de flores, lixos em qualquer lugar que não seja lixeira, amplificação de ruídos desconexos  tratados por música, xingamentos, discussão de asneiras etc... etc...
                   A minha preocupação é com a formação das gerações seguintes:  o que elas herdarão da nossa geração?

terça-feira, 9 de outubro de 2012

LIÇÃO DE ELEIÇÃO (II)



                Momento 1: No dia da eleição, assim que amanheceu, bem perto da escola “Aurelina”, no bairro da Estufa II, registrei a cena triste: muito “lixo democrático” pela rua se confundindo com a aparência desagradável e maltratada do estabelecimento de ensino.

                Momento 2: Ao passar pelo local de votação, na Escola Objetivo, reparei num casal que ia adiante. Reconheci a mulher: é uma vice-diretora de escola pública municipal. Eles vasculhavam o entorno tranquilamente. Logo o homem, um perfeito cavalheiro, se abaixou para pegar, no “lixo democrático”, um papel. Entregou à sua companheira. Parece que ela ficou satisfeita com a escolha. Depois foi a vez dela fazer o mesmo. Parece que ele também aceitou de bom grado o achado dela. E lá se foram felizes em direção às urnas para o exercício da cidadania.

                Depois desses momentos, pergunto:

                - Que lição tirar dessa eleição, de momentos assim?

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

LIÇÃO DE UMA ELEIÇÃO (I)


Mesmo com os recursos escusos o candidato não decolou.
                Ontem, dia de eleição municipal, foi um dia desgastante devido ao movimento barulhento no portão da minha casa. Era muito papel jogado pela rua, sobre as plantas, além dos “sem noção” que abundam, saem das tocas sempre em ocasiões assim.

                Os “sem noção” querem deixar as bicicletas estacionadas nos canteiros, amassando as plantas, defendem seus candidatos porque estão recebendo uma diária regada a pão com mortadela, dizem tudo que acham que têm direito, se acomodam nos espaços como se estivessem na própria casa, estacionam motos em cima da calçada, deixam seu lixo em qualquer lugar, amplificam  ruídos desconexos acreditando serem músicas... Eles ainda xingam, discutem asneiras, se embebedam em nome da cidadania.

                De vez em quando se engalfinham por interesses de terceiros, seus patrocinadores políticos. Não sei o resultado do certame entre os partidários do candidato X e os do candidato Y em plena rua, na sujeira dos papeis e outras coisas. Nem quero saber!

                Uma família de evangélicos da vizinhança, de membros entre cinco e quarenta e cinco anos, ambiciosos até a raiz do cabelo, logo cedo estava distribuindo “santinhos” de seu candidato, do pastor de seu interesse. Um dos representantes divinos já tirou uma lição: não basta ter muitos votos; é preciso saber se coligar. Nisto Deus não deu jeito. Na outras situações continuará dependendo dos seus seguidores.

                Enquanto isso, a nossa cidade vai de mal a pior. Só investimentos numa boa educação poderão reverter esse quadro triste, essa pseudocidadania.

                Ah! Um detalhe: os “sem noção” se multiplicam assustadoramente!

sábado, 6 de outubro de 2012

PAPO DE PESCADOR


Saudades do meu povo do Saco do Sombrio

            Mais uma poesia do mano Mingo, sempre continuando no alastramento de aspectos da cultura caiçara, da criatividade necessária e espontânea que nos anima. Mais um....


            PAPO DE PESCADOR

            Na minha terra

            há meia légua

            do Mar à Serra,

            não peço água,           

            não faço guerra,

            não guardo mágoa.

            Tenho cinco namoradas

            em uma dúzia de retratos,

            cada qual em seu porto

            cada qual com sua história,

            cada vez mais belas,

            conforme meu barco afasta

            do porto da memória.

           

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

HISTÓRIA DE PESCADOR


Domingos, da Praia das Sete Fontes, num momento de prosa
 

                O professor Pedro Paulo, na noite de ontem, lançou o seu livro de causos: Na boca do povo. São passagens de outros tempos narradas sob uma forma muito agradável. Ao lê-las, reconheci vários personagens (Domingos Barreto, Peres, Maneco Apolinário e outro tanto). Vale a pena apreciar mais este registro a colaborar com a memória caiçara. Um exemplo:

                 História de pescador

                Quando: 1954 – Em Ubatuba.

                 O pescador Tião Fonseca chegou do mar com sua canoinha, a “Pretinha”, com alguns peixes que pegou, no balaio de timbopeva (cipó) e pacientemente, depois de uma noite no mar, rolou sua embarcação até meia praia. 

                Acabara de acender o pito quando um turista (coisa rara naquela época) se aproximou:
                - Boa pescaria, heim?
                - É...
                - O senhor vende os peixes?
                - Vendo...
                - Quanto quer por tudo?

                Tião coçou a cabeça, olhou para o horizonte, tirou duas baforadas do seu pito e, assim meio desinteressado, falou:
                - Sete merréis...
                - Tá muito caro, meu amigo!
                - Se quereis compra, comprai; se não quereis, não comprai, o peixe é meu e o dinheiro é vosso.