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Tenho o prazer de repassar aos leitores do blog uma apreciação cultural do Eduardo de Souza publicado pel'O Guaruçá.
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Lentidão.
Esta palavra me ocorreu ao ler o texto Retrato
de família, do José Ronaldo dos Santos. O Zé nos
fala dessas duas culturas que correm (corriam?) como dois rios distintos e
lentos, mas que brotaram da mesma nascente: a religião católica apostólica
romana. O caipira é o caiçara sem o mar. O Zé tem uma caudalosa memória.
Muitas histórias para nos contar. É perspicaz em retratar a essência da nossa
gente.
Ter
histórias para contar e a palavra lentidão me levaram ao romancista tcheco
Milan Kundera que diz que o grau de lentidão é diretamente proporcional à
intensidade da memória, e que o grau de velocidade é diretamente proporcional
à intensidade do esquecimento. Diz ainda, no livro A Lentidão, que quando as
coisas acontecem rápido demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa
nenhuma, nem de si mesmo, e que nossa época se entrega ao demônio da
velocidade e é por essa razão que se esquece tão facilmente de si mesma.
A
lentidão tem um vínculo com a memória. Nos meus tempos de criança a vida não
tinha a velocidade dos tempos atuais. Por isso, eu e os de minha geração
temos tantas lembranças. A vida não tinha pressa. Tivemos tempo de armazenar
saudades, de gravar indelevelmente nas nossas almas o modo de ser
caiçara-caipira.
Lembranças
dos tempos em que as distâncias eram percorridas a pé, a cavalo, a canoa ou a
barco. E quem caminha ou percorre as distâncias nesses meios vagarosos de
locomoção, tendo alguma companhia, tem tempo de prosear despreocupadamente,
de conhecer melhor o companheiro e, estando só, proseia com Deus e aprecia a
paisagem criada por Ele.
Se
hoje, ao passar por algum lugar na hora do almoço e sentir, vindo de alguma
casa, o cheiro do alho e da cebola dourando numa panela para temperar o
feijão, transporto-me subitamente à cozinha de minha avó Maria, à beira do
fogão a lenha, onde quase sempre a encontrava. Cozinhar à lenha exigia todo
um ritual, só possível naqueles tempos sem sofreguidões. Naqueles tempos
havia tempo para ser avó, mãe, tia e educar os filhos, netos, sobrinhos e
afilhados. E havia tempo para cantar e ouvir histórias. E a leitura do tempo
era feita pelo caminhar lento do sol ou pelas badaladas compassadas do sino
da igreja. O sino do Ângelus, o cair da noite... O galo no terreiro, o
amanhecer do dia. Tempo não era dinheiro. O tempo se contava por eventos.
Talvez por isso o passado fosse tão presente às pessoas, e o futuro... Bem, o
futuro a Deus pertencia.
A
velocidade não permite contemplações, armazenar lembranças nos escaninhos da
alma. Naqueles tempos, a vida ainda não fora reduzida ao político e ao
econômico e a essas ansiedades que nos fazem devorar delirantemente o tempo,
com tanta pressa, com tantas ocupações: o corpo perfeito e admirável, a saúde
perfeita, as diversões, os modismos, as novidades. Talvez tudo isso seja uma
maneira de não ver que não passamos de andarilhos neste vale de lágrimas e
que tudo tem seu próprio tempo.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto é caiçara, 58, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba e urbi et orbi |
terça-feira, 24 de abril de 2012
LENTIDÃO
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