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Canoas: arte do meu saudoso pai. |
Éramos seis pessoas amigas se reunindo
costumeiramente para um bingo beneficente, arrecadando pouco a pouco para uma
causa, uma luta do grupo. O evento acontecia uma vez por mês. Naquele, o
amigo Napoleão, de Caraguatatuba, estava presente, participou. No final, ele
segurava uma das prendas que não foi sorteada, que deveria ficar para a próxima
ocasião. Éramos nós mesmos, membros do grupo, que fazíamos as coisas para servirem como prêmios a serem bingados. O estimado Napo segurava temporariamente um pinguim
decorativo. Me perguntou: “O que eu faço
com isto?”. Eu pensei que seria uma boa coisa deixar que ele levasse o
objeto para a filha. Na hora eu pensei nela e falei para levar como presente. “Ela vai gostar”. Ele agradeceu e
guardou. Estávamos perto da praia, o
grupo se dissipou. Somente eu e Napoleão seguimos juntos em direção a um ponto
de ônibus, onde ele embarcaria de volta para a sua cidade. Nisso vimos uma movimentação no mar:
embarcações formavam um quadrado faltando um lado, forçando alguma coisa a
encalhar na praia. Imediatamente deduzi o que estava acontecendo: um grande
cardume de tainha foi localizado e cercado, algumas já pulavam. Corremos para
ver de um ponto mais alto. As tainhas começaram a encalhar, as pessoas
começaram a jogá-las para um ponto mais alto, longe do mar. Napoleão se desesperou
para ativar o celular e fotografar, mas nem sei se deu tempo. Foi tudo muito
rápido. Uma das pessoas que auxiliavam a recolher os peixes eu reconheci: era o
meu tio Tião Félix. Logo eu gritei: “Tio
Tião, joga uma tainha pra mim”. Ele pegou uma, deu uma rodada e lançou com
força. Ela caiu perto de nós, no asfalto. Até se machucou um pouco, mas eu nem
me importei. Pensei, no instante que a segurei: “Vou levar pra casa e preparar logo. Ah, uma tainha frita com café e
farinha!”. Assim que todas os peixes foram recolhidos, imediatamente apareceu
um número num painel ali perto: o total foi de 9.785, segundo falou o Napoleão. Quando eu olhei já tinha se apagado. Acordei.
Era um sonho.
Me levantei para escrever. Não é extraordinário
um sonho tão bem contextualizado, acompanhando o calendário da nossa cultura
caiçara? Pelo jeito, hoje terei de ir ao mercado ou passar pelos ranchos em
busca de tainha. Ontem almocei tainha, mas...conforme o sonho, ainda estou com
vontade de comer mais. É a memória genética dos antigos, do indígena tupinambá
que disputava com tupiniquim a chegada dos cardumes na região de Bertioga. Esses indígenas remavam grandes distâncias por causa da abundância em meados do ano, tal como
ainda é nos dias de hoje. Tainha é peixe migratório. Hans Staden descreveu, em 1556, após ter sido poupado pela etnia Tupinambá, como era o preparo dos pescados: “Quando cozinham peixe ou carne, põem
dentro habitualmente pimenta verde. Logo que está um tanto cozida, retiram-na de
caldo e fazem uma papa fina que se chama mingau. Bebem-na em cabaças de que se
utilizam como vasilhas. Quando querem preparar para durar muito tempo, deitam o
peixe ou a carne sobre pequenos paus à altura de quatro palmos acima do fogo,
deixando o alimento assar e defumar até que fique completamente seco. Quando
mais tarde querem comê-lo, cozinham-no de novo. Chama a essa comida moquém.
Também podem socar esse produto seco no pilão, transformá-lo numa farinha por
nome de piracuá”.
Que maravilha de espetáculo! Que venham as tainhas!
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