quinta-feira, 27 de julho de 2023

UM ESPETÁCULO!

 


Canoas: arte do meu saudoso pai.



    Éramos seis pessoas amigas se reunindo costumeiramente para um bingo beneficente, arrecadando pouco a pouco para uma causa, uma luta do grupo. O evento acontecia uma vez por mês. Naquele, o amigo Napoleão, de Caraguatatuba, estava presente, participou. No final, ele segurava uma das prendas que não foi sorteada, que deveria ficar para a próxima ocasião. Éramos nós mesmos, membros do grupo, que fazíamos as coisas para servirem como prêmios a serem bingados. O estimado Napo segurava temporariamente um pinguim decorativo. Me perguntou: “O que eu faço com isto?”. Eu pensei que seria uma boa coisa deixar que ele levasse o objeto para a filha. Na hora eu pensei nela e falei para levar como presente. “Ela vai gostar”. Ele agradeceu e guardou.  Estávamos perto da praia, o grupo se dissipou. Somente eu e Napoleão seguimos juntos em direção a um ponto de ônibus, onde ele embarcaria de volta para a sua cidade. Nisso vimos uma movimentação no mar: embarcações formavam um quadrado faltando um lado, forçando alguma coisa a encalhar na praia. Imediatamente deduzi o que estava acontecendo: um grande cardume de tainha foi localizado e cercado, algumas já pulavam. Corremos para ver de um ponto mais alto. As tainhas começaram a encalhar, as pessoas começaram a jogá-las para um ponto mais alto, longe do mar. Napoleão se desesperou para ativar o celular e fotografar, mas nem sei se deu tempo. Foi tudo muito rápido. Uma das pessoas que auxiliavam a recolher os peixes eu reconheci: era o meu tio Tião Félix. Logo eu gritei: “Tio Tião, joga uma tainha pra mim”. Ele pegou uma, deu uma rodada e lançou com força. Ela caiu perto de nós, no asfalto. Até se machucou um pouco, mas eu nem me importei. Pensei, no instante que a segurei: “Vou levar pra casa e preparar logo. Ah, uma tainha frita com café e farinha!”. Assim que todas os peixes foram recolhidos, imediatamente apareceu um número num painel ali perto: o total  foi de 9.785, segundo falou o Napoleão.  Quando eu olhei já tinha se apagado. Acordei. Era um sonho.

     Me levantei para escrever. Não é extraordinário um sonho tão bem contextualizado, acompanhando o calendário da nossa cultura caiçara? Pelo jeito, hoje terei de ir ao mercado ou passar pelos ranchos em busca de tainha. Ontem almocei tainha, mas...conforme o sonho, ainda estou com vontade de comer mais. É a memória genética dos antigos, do indígena tupinambá que disputava com tupiniquim a chegada dos cardumes na região de Bertioga. Esses indígenas remavam grandes distâncias por causa da abundância em meados do ano, tal como ainda é nos dias de hoje. Tainha é peixe migratório. Hans Staden descreveu, em 1556, após ter sido poupado pela etnia Tupinambá, como era o preparo dos pescados: “Quando cozinham peixe ou carne, põem dentro habitualmente pimenta verde. Logo que está um tanto cozida, retiram-na de caldo e fazem uma papa fina que se chama mingau. Bebem-na em cabaças de que se utilizam como vasilhas. Quando querem preparar para durar muito tempo, deitam o peixe ou a carne sobre pequenos paus à altura de quatro palmos acima do fogo, deixando o alimento assar e defumar até que fique completamente seco. Quando mais tarde querem comê-lo, cozinham-no de novo. Chama a essa comida moquém. Também podem socar esse produto seco no pilão, transformá-lo numa farinha por nome de piracuá”. 

       Que maravilha de espetáculo! Que venham as tainhas!


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