terça-feira, 4 de julho de 2023

AS PALAVRAS FAZEM O MUNDO

 


Professora Valda e eu - Abril/2023 - Arquivo Má



        "No começo era a Palavra". Neste tom começa a narrativa de uma grande epopeia antiga originária no Levante, no Oriente Médio. Estou cada vez mais convicto de que a palavra põe tudo em movimento. Começo assim depois de me reencontrar com duas pessoas queridas: Jessé e Telma, ex-alunos maravilhosos que nunca deixaram de ter uma boa prosa comigo. (Quero salientar que tais momentos nunca foram planejados, que acontecem nas andanças da vida, no corre-corre). Nessas ocasiões eles me recordam um monte de momentos, curiosidades e desafios que perseguimos graças à vida escolar e ao empenho de gente como eles.  Eu aprendo muito com esses eternos estudantes que abraçaram o Magistério e se realizam em suas aulas. Não é maravilhoso?!?


O escritor Malba Tahan conta que o saudoso professor Tales Melo, um grande matemático brasileiro, ao visitar o Ginásio de Friburgo, teve ocasião de palestrar com vários alunos. Em dado momento um adolescente, em tom muito sério, perguntou:

                - Que idade o senhor tinha, Dr. Tales, quando descobriu esse teorema que tem o seu nome: Teorema de Tales?


                A introdução acima foi só para entender o que contarei agora: no meu segundo ano escolar, na Escola Agrupada do Perequê-mirim, no tempo em que sentávamos em duplas naquelas carteiras de ferro e madeira maciça com um buraco para tinteiro no meio do tampão, tendo a professora Valda como mestra enérgica, o meu colega de assento era o Joãozinho Góis que adorava conversar. Era muito espirituoso, estava sempre soltando suas gracinhas. Em decorrência disso, num dia eu levei o pior. Foi assim:

                A professora era brava, “descia o braço” quando alguém nem extrapolava os limites da disciplina. Numa manhã, logo após a volta do recreio, estando a professora escrevendo  a atividade na lousa, o danado tascou:

                - Professora, a minha mãe comprou um remédio da senhora.

                - Meu remédio? A sua mãe comprou? Como assim? Eu não tenho remédio nenhum para vender!

                - Ah é! Então amanhã eu trarei a latinha como prova, onde se lê Pastilhas Valda. É mentira minha?

                No mesmo instante, estando perto de nós e não se conformando pela intromissão no roteiro da aula, enquanto todo mundo ria alto, ela partiu para dar um tapa no abusado. Porém, o danado abaixou a cabeça, se desviou. Adivinha quem recebeu o tapa com muita força? Eu! Afinal, era eu quem formava dupla com ele. Só que, ao contrário do filho do Seo Dito e da Dona Preciosa, eu era bem quieto durante as aulas. Ela se desculpou comigo e em seguida, aí sim, se voltou para o Joãozinho sem ter como errar pela segunda vez.

                Em tempo em que a profissão de professor está tão desprezada pelo Estado (e por alguns pais e alunos!), quero homenagear os meus primeiros mestres: Olga Gil, Valda Virgílio, Pedro Eurico, Oberdan e Osmildo Meireles. Faz tempo isso, quando tínhamos aula até no sábado! Foi ali, nos poucos livros disponíveis na escola, que eu cultivei o gosto pela leitura, que fui me fazendo pelas palavras. É impressionante como elas nos ajudam a cada instante, sobretudo quando somos trabalhadores numa sala de aula! Só tenho a agradecer ao Jessé, Telma e toda moçada que me fortalece após esses reencontros e esses anos todos.

                Em tempo: aquela frase lida naquele tempo, quando tínhamos aula de leitura aos sábados, não me saiu da memória:

“No Japão todos creem firmemente que sem professor  não há imperador”. 



Um comentário:

  1. No Brasil, há idiotas que creem que professor é pior do que traficante.

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