Em primeiro plano: Igreja da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos - Arquivo Ubatuba Antigo |
“O
filho da Magda, gente nossa, menino bom que também se fez gente comendo sapinhauás e
outras iguarias da nossa cultura, há anos se embrenhou mato adentro do sertão [porque
não pode competir com a especulação imobiliária junto à praia, na restinga onde
a família toda habitava há gerações], escreveu
dias atrás que vai votar em quem o inelegível (imbrochável, imoral, inescrupuloso...) indicar”. Este foi o comentário da
querida Ana assim que eu cheguei para uma visita rápida. Comentei imediatamente
que eu já desconfiava disso. Afinal, ele está, desde que o pai faleceu,
trabalhando como segurança num condomínio, guardando casas de ricaços. Além do
mais, se tornou um fundamentalista católico, do tipo que "recebe revelações,
fala em línguas etc.". Sem contar que a parentalha por parte da esposa é quase toda reacionária. “Pobre
caiçarada!”. A Ana concordou com a
minha fala, mas logo tascou: “Mas ele não
era tão atuante, não vivia com vocês nos movimentos do bairro,
escola etc.?”. “Isto é verdade!”. Concordei.
Eu creio, no fundo, que atitudes
semelhantes ao do filho da Magda se trata de uma anomalia, uma falta de
autonomia reflexiva que deságua na “consciência” tecnológico—científica notório
em pessoas que até ontem não esperava nada disso. Toda evolução que tivemos,
que vivemos desde a sobrevivência à base da farinha com peixe e banana verde,
está representando para muitos caiçaras um obstáculo ao nascimento de uma nova
consciência. O “desenvolvimento” que nos assaltou nos últimos tempos, de umas décadas
para cá, é de perpetuação da exploração, da negação de uma maturidade
humanitária. Ou seja, continuam inabaláveis as estruturas conservadoras de controle
de atitudes, de comportamentos alimentadores do individualismo e do egoísmo. Em
relação ao povo caiçara (e aos pobres migrantes!), as tentativas ideológicas e
sociopolíticas se valem, sobretudo, da religião e da limitada formação cultural.
Daí a fundamental importância das mentiras nas redes sociais (fake news)
servindo de alimento, dando sustância. Grossamente falando, o desenvolvimento maduro desaparece
na linha do horizonte; nem das grimpas dos morros o avistamos. Podemos regredir
à barbárie? Sim, é possível!
Estamos nas garras das palavras!
Renegamos nossas raízes, aplaudimos quem deseja a nossa própria morte porque
abraçamos um racionalismo equivocado. O maior desafio é recuperar a Fonte da
Vida. Acredito que a maioria de nós está cheia de lembranças de seus sonhos,
mas não consegue dar assistência a uma nova e restauradora consciência da
humanidade aí implícita. Desse modo, fica difícil o alcance da plenitude do ser
humano.
Na
despedida, a Ana resumiu a prosa: “Quem
pariu Mateus que o embale!”. Eu puxei a brasa para a filosofia, me lembrei
de alguém que escreveu que a atitude filosófica pode ser resumida como “um
movimento do mythos para o logos”. Sendo assim, não adianta ter cabeça de
homem, mas agir como um animal irracional retornando à barbárie como uma
espécie de touro devastador da evolução cultural. Conclusão: precisamos de uma
nova via de questionamento, de redescobrir o segredo da dialética que sustenta
a civilidade. Me recordo neste momento da figura da vovó Eugênia se abaixando,
ficando da altura da netalhada pequena para dispensar toda a atenção possível:
lição de nossas raízes caiçaras!
Como viverão meus descendentes neste
cenário de aliados se debandando, transformados em agentes da nossa destruição
e da extinção da utopia de um mundo melhor?
“Quem pariu Mateus que o embale!". Quem o pariu?
Estamos regressando á Idade Média, Zé. Paradoxalmente, quanto mais a Ciência evolui, mais o ser humano regride em sua racionalidade. O cérebro da maioria está ficando em estado de inércia.
ResponderExcluirÉ o que também pressinto. Trata-se de um viés científico que manipula as mentes em detrimento de uma minoria.
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