quinta-feira, 21 de julho de 2022

EMPURRANDO E SENDO EMPURRADO

Igreja Matriz de Ubatuba por volta de 1900 - Arquivo  Ubatuba


“A história me empurra e eu empurro a história” (Velho Rita)

       Hoje, felizmente, ainda há muita gente boa no mundo. E em Ubatuba também!  Fico feliz com isso; daí a importância das boas ações e boas orientações nos lares e nas escolas. Como disse Nelson Mandela, se referindo às ruindades que se alastram entre as pessoas: “Se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinados a amar, porque o amor ocorre mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto”. Eu, graças a uma série de fatores, pude conviver com um monte de gente boa, da antiga cepa caiçara. O Velho [Sebastião] Rita, do Itaguá, foi um deles. Depois de 1980, eu não deixava de visitar o casal Josefa e Sebastião para ouvir suas histórias. Deles eu aprendi que, “no tempo d’antes não havia o cemitério do jeito que é hoje. Uns eram sepultados dentro da igreja, num chão arenoso, outros, sobretudo escravos e pobres, pelos diversos lugares espalhados pelas praias e morros”. Escutei com repulsa, imaginando o fedor que deveria permanecer no espaço fechado da igreja. Mais tarde li em algum lugar que o padre João, o alemão, resolveu dar um fim nessa porcaria. E continuou o casal de idosos, “depois, quando a gente nem era nascido, perto da onde era o hospital antigo (que pegou fogo), fizeram um cemitério mais saudável. Junto dele, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, tinha uma área reservado aos seus membros que fossem falecendo. Demorou um pouco para todos os mortos serem ajuntados, serem enterrados num lugar único, onde é até hoje, não muito longe da Praia do Cruzeiro [Iperoig]. Mas quando a varíola chegou por aqui, por volta de 1900, foi reservada uma área só para os bexiguentos [bexiga era outro nome para varíola], cercada de arame farpado, na mesma rua [D. João III]. Hoje não existe mais”. Conversando em outra ocasião com o finado Antônio Freitas ele me inteirou que era ali, onde hoje está o terreno da empresa de ônibus São José, entre as ruas Thomás Galhardo e Dom João III, bem no centro da cidade.

        Quando eu quis saber como deram jeito na epidemia da varíola, de que modo se acabou com  a mortandade dos bexiguentos, o casal de caiçaras do Itaguá me explicou: “a tal de bexiga se tornou conhecida em nossa terra por esse nome porque seus sinais eram bolhas, bexigas pelo corpo, que contagiavam facilmente. Por isso recomendavam de queimar as roupas dos infectados, defumar as casas com enxofre e depois caiar com água de cinza as paredes. Os defuntos precisavam ser enterrados separados porque a doença permanecia ainda por muito tempo, mesmo debaixo da terra. Assim, o cemitério do bexiguentos era só para bexiguentos. Ninguém tinha coragem de passar nem perto daquele lugar. Nos dias de hoje já se esqueceram disso tudo. Não vai demorar muito tempo para tudo aquilo virar prédio”.

        Como estavam com razão a Dona Josefa e Seo Sebastião! Os prédios surgem e sobem rapidamente em razão da voracidade dos lucros imobiliários. Já pensou que a sua habitação pode estar sobre um “arsenal” de armas biológicas de outros tempos?

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