Em - cena - ação (Arquivo JRS) |
Quando criança, ainda na moradia que me viu nascer, uma menina caiçara do Sapê tinha um talento especial em projetar imagens, com recursos de embalagens (caixa de papel), como se fosse cinema. O espetáculo acontecia na casa dela; todas as crianças eram acolhidas pela Tia Santa. A menina talentosa, Imaculada, era filha dela. Aquilo era o nosso cineminha. Mais tarde, já morando no Perequê-mirim, no bar onde meu pai fazia uns “bicos”, um senhor de Taubaté (Seo Valter) trazia regularmente um projetor de filmes, e, mediante uma taxa mínima de ingresso, transformava uma das paredes do estabelecimento em cativante tela. Naquele lugar nós assistiríamos filmes do Mazzaropi, Zé do Caixão, James Bond, John Wayne e tantos outros famosos. Comédias e bang bang eram os meus preferidos. Depois, já adolescente, os espetáculos cinematográficos se davam no Cine Iperoig, na Praça da Matriz. Na verdade, na década de 1970, a vida emocionante da cidade acontecia nessa praça, sobretudo nos finais de semana. A banda municipal, carinhosamente chamada de “A Furiosa”, fechava os nossos domingos com dançarinos e dançarinas se revelando ao público. Ah! Quase sempre aparecia um bêbado num show à parte, se fazendo personagem folclórico do nosso lugar. Amaro, Bimba, Chico Mineiro eram alguns desses artistas embalados pela “mardita santa branca”. De repente, num tempo bem distante, alguém falou em teatro. Eu não sabia de nada além daquilo que alguns professores disseram em sala de aula. Demorou anos para eu conhecer um teatro e assistir ótimas peças. Então me perguntei: “Por que uma cidade de passado famoso, movimentada pelo comércio, com casario invejável e pessoas chiques não possuía teatro?”. Um dia, encontrando o Seo Filhinho sentado na praça Exaltação da Santa Cruz, defronte a sua moradia, puxei esse assunto. Foi quando eu fiquei sabendo que, ainda no século XIX, Ubatuba teve um teatro que estava localizado onde mais tarde foi o Fórum. Atualmente está a sede da Fundart (fundação de arte e cultura da cidade). Pertencia a uma família de portugueses apaixonada pelas artes cênicas e tinha capacidade para quase quatrocentas pessoas. Era o local mais chique da cidade; até camarote possuía. Ao que tudo indica, era muito concorrido pelos cidadãos ubatubenses para prestigiar encenações e concertos musicais. Depois, com a morte do proprietário, restando apenas a viúva, os materiais foram se estragando, as madeiras apodrecendo etc. Essa mulher, Dona Luzia Dias Círio, segundo o Seo Filhinho, queria demolir o prédio. Ernesto de Oliveira, pai do nosso informante e prefeito da época, comprou e reformou o lugar, possibilitando a continuidade das atividades artísticas. Depois, com a pauperização da sociedade local, a ruína de fato abateu sobre o prédio. Na década de 1950 aquele espaço foi destinado ao Fórum. Ficamos sem teatro em Ubatuba até o século XXI. Hoje, um moderno espaço teatral ocupa um canto da Praça Exaltação da Santa Cruz, a pouca distância de onde, naquele tempo, eu conversara com Washington de Oliveira, o Seo Filhinho.
Teatro é espaço de cultura, de expansão da civilidade. Teatro é diversão e intervenção cidadã, onde a coletividade se expande no senso democrático e cultiva a memória que dá sentido ao seu viver.
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