sábado, 16 de julho de 2022

A PEDRA DO CURUZEIRO

 
O oposto de ouro de tolo - Arquivo JRS

        "Lá longe é o Curuzeiro. Daqui lá é, apertando o passo, umas seis horas de andada". Quem me contava esta história era o finado Bié. 

       Bié Pai do Mato era o apelido do meu amigo Daniel. O mato era o seu ambiente natural, tal como mar era o chão do saudoso tio Chico. Deu sorte em conseguir um emprego de guarda da Mata Atlântica assim que o Parque Estadual foi criado. Quer felicidade maior para um aliado do Curupira, para alguém que a vida toda viveu perambulando pelas grotas e espigões? Bié era assim desde quando eu passei a me entender por gente.

       "Você precisa ir comigo lá em cima. Tem umas tocas de pedras por lá, mas eu ainda não entrei em todas elas. Quase todas são grandes e fundas, lugares onde deve dormir bicho grande. O meu avô dizia que ali, aos pés do Curuzeiro, tem uma toca onde os piratas guardavam tesouros, iam empilhando para um dia embarcar tudo em seus navios e levar para outras terras. Eles abordavam os navios que encontravam, roubavam daquilo que tinha mais valor, geralmente ouro e prata. A tal toca está lá; eles, os piratas, ficaram sabendo dela por gente que já morava aqui, pelos índios". 

       Eu me empolguei por essa história, quis acompanhar o meu amigo na possibilidade de grande aventura: "Logo estarei de férias, Daniel. Vamos subir o Curuzeiro e vasculhar toca por toca". "Sério mesmo, Zezinho? Então tá bom, vou esperar".  Só fiquei na vontade, pois logo o Bié faleceu de um ataque cardíaco, da mesma forma que o velho pai. Após anos, acordei hoje pensando nesse saudoso amigo e na história do Curuzeiro. Já não tenho a pretensão de encarar seis horas por dentro do mato, morro acima. Também não ouso, nessa idade, empreender essa tarefa sozinho. Bié era gente de confiança, caiçara sem cobiça por essas riquezas materiais. Quando eu perguntei o que ele faria caso encontrasse mesmo um tesouro no Curuzeiro, a resposta foi esta: "Para mim, Zezinho, se existir alguma coisa conforme diziam os antigos, como está na música, é 'ouro de tolo', coisa que não edifica ninguém. Você já encontrou alguém que se tornou melhor porque enriqueceu? Pois é! Por mim, se um dia a gente encontrar esses sinais deixados por piratas do tempo d'antes, nós podemos deixar lá mesmo, entre os bichos do mato, encantando-os. Nunca passou pela minha cabeça de eu me encantar por essas coisas que os homens dão tanto valor, se matam até. O que vale para mim é este mundo que Deus deu, esta maravilhosa natureza que nos rodeia. Basta uma sapopemba de sibaúna ou de tarumã para me proteger se precisar pernoitar pelos caminhos. Não precisamos de muita coisa para viver, né?". Fiquei feliz com a resposta dele. Ela apagou em mim um nesga de cobiça que aflorava daquela história. Aproveitei para lhe explicar o seguinte: "Sabia, meu amigo, que Curuzeiro é, na verdade, Cruzeiro? Os antigos portugueses, quando chegaram nesse lugar, edificaram naquele canto (da Bica) uma capela. (Se a gente escavar ali ainda vai encontra umas pedras ajeitadas como base). Dizem que, na Semana Santa inteira, assim que anoitecia, as estrelas do Cruzeiro do Sul pareciam se demorar mais tempo ali, descansando naquele morro. Por isso ficou sendo a Pedra do Cruzeiro. Com o passar do tempo virou Curuzeiro". "É mesmo, Zezinho? Eu acreditava que esse nome vinha de sapo cururu. Curuzeiro, no meu entender, seria a pedra que abrigava esses sapos. Ultimamente tenho escutado gente chamando aquele lugar de Pico do Cuscuzeiro. Interessante como tudo vai se modificando, né?".
    

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