Enseada - 1980 (Arquivo Postal) |
Olhei para o veículo, um bugue com capacidade para quatro ou cinco pessoas. Próximo dele um grupo imenso se preparando para sair em direção à folia. Me perguntei: “Como vai se acomodar ali aquele tanto de gente?”. Eu estava por perto, no Bar do Pedro, "O Velho Comunista”. Nícolas, Manoel e outros discutiam coisa boba: “Os paulistas fazem percussão com as mãos, assim ó” - E demonstravam suas habilidades no ritmo dos toques dos dedos nas palmas das mãos – “mas os cariocas são exímios batuqueiros em caixa de fósforos! Quem nunca ouviu eles acompanhando sambinhas maravilhosos?”. E assim, em futilidades, "sabedorias de bêbado", o tempo passava. Quando Clodoaldo quis apressar a saída, dizendo que a Enseada era longe, um deles respondeu na gostosa risada: “Calma, Clodô. Eles têm relógio, mas nós temos o tempo”. Todos caíram na gargalhada. Só que quem estava preocupado também tinha razão: o Rancho do Araca, onde seria o “Grito de Carnaval”, na praia da Enseada, distava bem uns dez quilômetros. Naquele tempo, naquele horário da noite, nem sei se havia mais do que um horário de ônibus. Eu alertei: “Não se esqueçam que o última condução que vai até o Lázaro sairá às 23 horas (onze horas), logo-logo. Olhei o meu Mondaine e completei: acabou de sair o derradeiro que segue até Caraguá. Agora só resta o circular”. Enquanto isso, o pessoal do bugue discutiam detalhes, com alguém já desistindo porque não queria passar a noite no “Casarão”. Explico: outro baile que estava prometendo era “O Grito do Casarão”, do Sorroche, na praia da Lagoinha, bem mais longe ainda, uns vinte quilômetros, quase chegando no Sapê. Logo estava embarcando aquele tanto de gente naquele minúsculo veículo. Até uma criança tinha no meio deles: uma menininha, a Paulinha, com os olhos sonolentos a pedir uma cama: “Quero dormir, papai”. Uma massa disforme se amontoou sobre as quatro rodas. O carro dava a impressão que iria se desconjuntar a pouca distância dali, quando topasse os primeiros buracos. (Eles já eram muitos também naqueles idos de 1970!). Seo Pedro, “O Velho Comunista”, estava inconformado com tudo aquilo de gente trepado daquele jeito: “Se esse carro deixar a cidade, se chegar até o Itaguá, é a prova de que a nossa polícia não tá prestando pra nada além de levar bêbado para o xadrez. Onde já se viu tamanha irresponsabilidade? Se o 'Jacaré' e o 'Arcidão' passarem em ronda por aqui agora, eu sou capaz de não atendê-los enquanto eles não pegarem a 'Baratinha' e impedirem essa loucura de tempo de carnaval. Onde já se viu correr risco tão grande só por causa de um Grito de Folia?”. Não teve como discordar do velho e experiente revolucionário. “Sabe de uma coisa, pessoal? Eu não irei mais para a farra com vocês”. Embarquei na minha Monark e saí pedalando antes que eles quisessem me segurar mais por ali. Tomei o rumo do Itaguá, passei diante do Chaparral, escutei os embalos da batucada que já começara. Me detive na casa do amigo Tiãozinho Mesquita: “Vamos?”. “Vamos sim!”. No Le Bateau também corria solto a farra de abertura do carnaval naquele ano (avistei uns conhecidos na portaria: Élvio, Fátima Souza, Kiko Japonês, Cida Mesquita...), mas passamos direto, pedalando. Na Enseada o destino nos aguardava: “Grito de Carnaval no Araca”. Quem acomodou nossas bicicletas numa velha pitangueira foi o nosso colega Gildásio, filho do Aracaju, dono do rancho. Alguns parceiros já estavam no embalo: Zé Defunto, Dinho Henrique, Nenê, Moisés do Bagre, Carlinho do Dócio, a moçada do Jacundino, Dimas Bureta etc. Os demais que dependiam de ônibus chegaram bem depois, se admiraram por nos verem já cansados de tanto pular. Todo mundo brincou e ficou satisfeito; mais um sucesso do Rancho do Araca naquele ano. Eita tempo bom! Quando o dia amanheceu na Enseada, alguns caiçaras aproveitavam a maré baixa para catar sapinhauá no lagamar. Lembra-se disso, Gildásio?
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