domingo, 10 de julho de 2022

O PAI ERA TÃO BOM...


Ler e viver a natureza (Arquivo JRS)

      Manecão, como de costume, saiu cedo, antes dos demais da casa sequer deixarem suas camas. “Aonde está indo, Manecão?”. Curiosidade boba, né? É lógico que eu já sei a resposta! Há décadas que ele cumpre o mesmo ritual: embarcar no ônibus para visitar a tia Emília, tomar café lá, prosear um pouco e voltar ao lar antes do almoço, onde suas irmãs o aguardam. Em casa, pelo resto do dia, fica se entretendo com qualquer coisa, assiste um pouco de televisão e dorme cedo. Assim passa o tempo desse velho amigo. As novas gerações desta Ubatuba não o conhecem, mas garanto que, quando este ritual não mais acontecer, terá sido o fim deste personagem que vive abraçado ao bem neste litoral de tantas belezas.

     Hoje, após os cumprimentos, Manecão se acomodou no assento ao lado e puxou este assunto: “O pai deles era tão bom, honesto, pregava tão bem sobre os ensinamentos da Bíblia, mas os filhos... Sabia que eles, filhos e filhas agora vivem na bebedeira, farreando e causando tristeza à coitada da mãe? Tenho muita pena dela”. Demorei um pouquinho para “me ligar” a quem ele se referia, mas me inteirei. Não tive nenhuma discordância dele, da análise que fez. Pensei: “Este Manecão, viu!”. E eu pensando que gente com o perfil dele, parecendo deslocado da realidade, não atinasse nessas observações, nesses juízos de valores. Como a gente se engana!

    O Manecão continuou falando de outras coisas, causando risadas aos mais próximos que o escutavam, mas eu já estava em outra análise, pensando em outros aspectos, relacionando os comportamentos revirados por ele às atitudes das  referidas pessoas, “filhos e filhas que agora vivem na bebedeira”. Mas o que mais me angustia mesmo é a preferência deles pelo “Excrementíssimo Presidente do Brasil”. Tenho de concordar com o amigo que o tal pai foi exemplar. Mas foi, acima de tudo, ingênuo. Acreditava que a fé não precisava pensar a política, que “ser carismático já bastava para merecer o céu”. E o resultado é isto: uma descendência pautada pela irracionalidade, pela ignorância aliada ao mal que está a alimentar discursos de ódio; apoio a quem segue destruindo o país, devastando os mais pobres e minorias; em colaboração com o fim da própria cultura caiçara. Acorda, parentalha!

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