Praia da Maria Godói (Arquivo JRS) |
Praia da Maria Godói (Arquivo JRS) |
O saudoso João
de Souza, um dos melhores contadores de causos que conheci, era filho do Velho
Rita e da Dona Josefa, ambos caiçaras de gerações. Sebastião Rita era da margem
do rio Acaraú, no morro do Tenório. Dona Josefa era gente da pequena praia entre
a Toninhas e o Boqueirão, conhecida pelo nome de Maria Godói. Pouca gente a conhece
porque o acesso foi dificultado pelo condomínio da Ponta das Toninhas. Agora só
resta uma trilha a partir da prainha do Canto do Góis, na Enseada. Passa o
Tapiá, a Pixirica e a Xandra. A última é ela. É de lá que vem o causo do João:
“Na Godói moravam apenas três ou quatro famílias. Eram todos parentes, gente
nossa e dos Firmes. Todos tinham os mesmos costumes, naquela vida simples do
tempo que a minha mãe nasceu. Tiago, Leôncio e Moisés eram os três primos dela
que sempre estavam juntos no serão, na Pedra do Canto. Conversavam, sonhavam e
riam até o escurecer, hora de descansar para o outro dia. Todo aquele pessoal
era gente mansa, sem pressa para nada a não ser na saída e chegada de canoa,
quando o mar estava bravo, arrebentando nos caraguatás. A respeito desses primos,
a minha mãe contava que, numa ocasião, quase teve uma desavença entre eles. Foi
assim: numa prosa, Leôncio garantiu que o mar daqui era o mesmo que o mar da
África. Os outros dois só escutaram. No serão seguinte, no mesmo ritual, o
Moisés, após ter matutado o dia inteiro, discordou da afirmação do primo feita
no dia anterior. Mas não levaram em frente o desentendimento. Foram-se embora. No
terceiro dia, assim que chegou o serão, conforme o costume, lá foram eles no assento
da pedra, debaixo de um grande abricoeiro que ainda deve existir. Nessa
ocasião, o primo Tiago que havia só escutado antes, tomou uma atitude: ‘Se for para a gente ficar em discórdia assim,
eu já me vou’. Imagine só, Zé! Sabe quando eles iriam brigar? Nunca!”.
Quando escutei esta história, me
lembrei de um fato histórico parecido: em 1512, o rei de Portugal enviou uma
mensagem para o rei do Congo. Era uma mensagem boa, cheia de agrados porque daquela terra vinha muitas riquezas.
Dizem que o soberano africano guardou a carta como relíquia e até hoje é
preservada por seus descendentes. E aqui vem o espantoso: a resposta dele para
o monarca português chegou em 31 de março de 1515, toda afável também. Se admirou da lentidão? Era
normal naquele tempo.
“Imagine
só! Claro que é o mesmo mar!”. E assim foi fechada a questão pelo primo
Tiago Firme: “Se não fosse o mesmo mar,
como os portugueses chegariam aqui carregados de negros africanos como escravos?”. Era o fim do quarto dia. Se fez escuridão. Tudo voltou à calmaria na nossa graciosa prainha. Hoje, se você for lá, certamente vai encontrar aquele mesmo quadro de antes, mas sem gente morando há muito tempo.
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