sábado, 18 de julho de 2020

CLARO QUE É O MESMO MAR!


Praia da Maria Godói (Arquivo JRS)

Praia da Maria Godói (Arquivo JRS)


        O saudoso João de Souza, um dos melhores contadores de causos que conheci, era filho do Velho Rita e da Dona Josefa, ambos caiçaras de gerações. Sebastião Rita era da margem do rio Acaraú, no morro do Tenório. Dona Josefa era gente da pequena praia entre a Toninhas e o Boqueirão, conhecida pelo nome de Maria Godói. Pouca gente a conhece porque o acesso foi dificultado pelo condomínio da Ponta das Toninhas. Agora só resta uma trilha a partir da prainha do Canto do Góis, na Enseada. Passa o Tapiá, a Pixirica e a Xandra. A última é ela. É de lá que vem o causo do João:

          “Na Godói moravam apenas três ou quatro famílias. Eram todos parentes, gente nossa e dos Firmes. Todos tinham os mesmos costumes, naquela vida simples do tempo que a minha mãe nasceu. Tiago, Leôncio e Moisés eram os três primos dela que sempre estavam juntos no serão, na Pedra do Canto. Conversavam, sonhavam e riam até o escurecer, hora de descansar para o outro dia. Todo aquele pessoal era gente mansa, sem pressa para nada a não ser na saída e chegada de canoa, quando o mar estava bravo, arrebentando nos caraguatás. A respeito desses primos, a minha mãe contava que, numa ocasião, quase teve uma desavença entre eles. Foi assim: numa prosa, Leôncio garantiu que o mar daqui era o mesmo que o mar da África. Os outros dois só escutaram. No serão seguinte, no mesmo ritual, o Moisés, após ter matutado o dia inteiro, discordou da afirmação do primo feita no dia anterior. Mas não levaram em frente o desentendimento. Foram-se embora. No terceiro dia, assim que chegou o serão, conforme o costume, lá foram eles no assento da pedra, debaixo de um grande abricoeiro que ainda deve existir. Nessa ocasião, o primo Tiago que havia só escutado antes, tomou uma atitude:  ‘Se for para a gente ficar em discórdia assim, eu já me vou’. Imagine só, Zé! Sabe quando eles iriam brigar? Nunca!”.

         Quando escutei esta história, me lembrei de um fato histórico parecido: em 1512, o rei de Portugal enviou uma mensagem para o rei do Congo. Era uma mensagem boa, cheia de agrados porque daquela terra vinha muitas riquezas. Dizem que o soberano africano guardou a carta como relíquia e até hoje é preservada por seus descendentes. E aqui vem o espantoso: a resposta dele para o monarca português chegou em 31 de março de 1515, toda afável também. Se admirou da lentidão? Era normal naquele tempo.

       Imagine só! Claro que é o mesmo mar!”. E assim foi fechada a questão pelo primo Tiago Firme: “Se não fosse o mesmo mar, como os portugueses chegariam aqui carregados de negros africanos como escravos?”. Era o fim do quarto dia. Se fez escuridão. Tudo voltou à calmaria na nossa graciosa prainha. Hoje, se você for lá, certamente vai encontrar aquele mesmo quadro de antes, mas sem gente morando há muito tempo. 

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