terça-feira, 14 de julho de 2020

BOLINHO À BOCA


Gato tranquilo (Arquivo JRS)


Os nossos hábitos, os nossos mais variados costumes têm suas origens, suas histórias quase sempre difícil de serem alcançadas. Pensei nisso agora porque, em 1989, morando um período na Vila Joaniza, na capital paulista, quase divisa com a cidade de Diadema, conheci uma família maravilhosa: Manuel, Ivani e filhos. Trabalhadores que vieram da Bahia “tentar a vida aqui em São Paulo”. Eu me senti adotado como mais um filho do casal, por isso sempre arrumava uma oportunidade para visitá-los, ver as plantas do quintal, tomar  café, prosear etc.

                 Na primeira oportunidade na qual almocei com essa família, notei que Ivani comia sem fazer uso de talheres. Usando uma das mãos, ela fazia bolinhos do que tinha no prato agregando farinha de mandioca. Em seguida, lançava-os na maior tranquilidade à boca para a mastigação. Aquilo me fez relembrar dos colegas marinheiros do início da década de 1980, originários da Bahia:  eles, em sua maioria, nas refeições, dispensavam os talheres e se serviam tal como a minha querida família baiana que conheci bem depois na região sul da capital paulista. Então, foi entre colegas marinheiros, que presenciei pela primeira vez esse hábito. Hoje, ao ler o relato de um viajante francês, Jean Barbot, na região próxima do rio Zâmbia (África), no século XVII, se referindo às viúvas dos portugueses de posses, notei como ele ficou impressionado com uma delas, dona Catarina, que o recebeu para um jantar em Rio Fresco, em 1681. Estranhou que todos os presentes comessem com as mãos, fazendo bolinhos com o alimento antes de levá-los à boca. Era uma clara demonstração que a família estava bem adaptada aos hábitos locais. Por sinal, muitos desses costumes não eram exclusivos da África, segundo o pesquisador Laurentino Gomes, já que nessa época, por exemplo, também comia-se com as mãos em Portugal e no Brasil. Mais para frente, a Inglaterra, uma potência mundial, encheu o mundo com colheres, garfos e facas. Quando criança, eu ficava atento, sempre em busca de algum garfo descartado, para ser fixado em um cabo de madeira e servir de fisga nas pescarias pelos rios e córregos. Naquele tempo as águas eram limpas, repleta de cafulas, tamanqueiras e pitus (espécies de camarões de água doce) e de peixes. A mesma fisga também servia para caçar rãs nos brejos, mas poucos faziam isso, porque não fazia parte dos nossos hábitos alimentares apreciar tal iguaria.

                A minha saudosa mãe, recorrendo ao que tínhamos garantido graças à roça e ao mar, de vez em quando desfiava uns peixes secos para fazer, usando a nossa farinha de mandioca, os deliciosos bolinhos de peixe. Assim que sentíamos o cheiro, à cozinha acorríamos, tal como gatos esfomeados. Imagina a nossa pressa, tamanha era a gula, em lançá-los logo à boca!

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