Patobi servindo suco (Arquivo JRS/Luzia) |
Venâncio era um homem muito bravo, assim diziam. Eu nunca tive a tentação
de provar se era verdade. Falavam também da dose considerável de ruindade nele.
Mas deixa para lá, pois agora, “entre mortos e
não mortos, tudo é passado, água que passou e se ajuntou com o mar”. A
verdade é que ele serviu no Exército Brasileiro. Depois de aposentado, fez a
sua igreja (Evangélica) num cômodo grande da própria casa, onde atualmente funciona
uma sorveteria popular. Foi o terceiro lugar de oração do bairro: a primeira
era a capela católica, numa esquina da mesma rua, do lado oposto da mesma quadra; a segunda, na mesma
estratégia (de ser na própria casa), estava no Belmiro Barreto (Cristã do
Brasil).
O pai do Venâncio, “gente brava também”, foi um fervoroso católico até o fim da vida. Era do tipo que não perdia nenhuma oração na capela. “Me impressionava ver, no primeiro banco, em todas as rezas, aquele homem imenso compenetrado nos rituais. Ao findar, ele cumprimentava os mais próximos, pegava o chapéu e saía na maior respeitabilidade. Após passar pela porta, se voltava para o altar e se benzia. Em seguida, ajeitava o chapéu na cabeça e lá se ia com tranquilidade, na maior segurança, para a sua casa distante apenas duzentos metros dali”. Estava sempre sozinho. A sua esposa seguia a mesma religião do filho.
O pai do Venâncio, “gente brava também”, foi um fervoroso católico até o fim da vida. Era do tipo que não perdia nenhuma oração na capela. “Me impressionava ver, no primeiro banco, em todas as rezas, aquele homem imenso compenetrado nos rituais. Ao findar, ele cumprimentava os mais próximos, pegava o chapéu e saía na maior respeitabilidade. Após passar pela porta, se voltava para o altar e se benzia. Em seguida, ajeitava o chapéu na cabeça e lá se ia com tranquilidade, na maior segurança, para a sua casa distante apenas duzentos metros dali”. Estava sempre sozinho. A sua esposa seguia a mesma religião do filho.
Certa vez, se referindo à igreja
do Venâncio, o finado Mané Fialho me contou: “Sempre o Venâncio está tentando me converter. Sempre, sempre, sempre. Diz que Deus vai me tirar dessa bebedeira, vai
me dar um bom emprego e coisa e tal. Mas eu não quero saber disso porque eu
nasci católico e vou morrer católico. Deixa para lá. Me dá uma pinguinha aí, Zezinho.
E capricha na dose!”. Bebia demais esse filho do bondoso Dito Graça.
Mané Fialho e seo Zé Barrigudo eram
os primeiros fregueses do bar onde eu trabalhava. Diziam que precisavam logo
cedo de uma “mardita” para deixar de tremer. Num desses momentos matutinos, ele
contou: “Na noite passada, quando estava
indo para a casa do meu pai, passei pela igreja do Venâncio bem na hora do
culto. De longe escutei uma barulhada: eram choros e gritos que vinham lá de
dentro. Aquilo me assustou, mesmo estando bem chapado de riopedrense. Então perguntei
para o rapaz, um tal de Firme, que estava de porteiro. Eu queria saber o que
estava acontecendo. ‘Por que tanto barulho? Que choradeira é essa aí dentro?’ Ele
tranquilamente respondeu: ‘Não é nada não, seo Fialho. Tá tudo bem. É só Jesus
operando, não precisa se assustar’. Então... acho que arregalei ainda mais os
olhos e disse assim: ‘Nossa Senhora! Deus me livre! Pelo desespero do pessoal,
ele está operando sem anestesia!’. Depois disso continuei o meu caminho para
descansar um pouco”. Eu e seo Zé Barrigudo rimos até.
Na semana
seguinte me encontrei com o Patobi (padrinho Tobias), em um passeio com a
criançada até a praia da Caçandoca. Não teve como não deixar de contar a ele a
história. Demos boas gargalhadas com a prosa do Mané Fialho. “Pode Jesus operar sem anestesia?”.
Assim, sempre sorrindo, gracejou o querido Patobi. Agora ele também é “água que se
ajuntou com o mar”.
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