terça-feira, 21 de abril de 2020

VOZES NA ESCURIDÃO

Baguari de fora (Xilogravura minha- JRS)


                      Napoleão, grande amigo! Parabéns!

                Tal como os nossos mais antigos, os tupinambás que habitavam este território caiçara, nós também temíamos a escuridão. Sempre havia uma assombração nos espreitando, um bicho da noite que podia nos atacar, um coisa-ruim a soltar seu cheiro de enxofre a qualquer momento pelos caminhos. A escuridão era para ser evitada. “Só gente ruim, com maldade, prefere a escuridão”, ensinava a mamãe.

            Crescemos nos apoiando nessa moral que continua em nossos traços culturais. Porém, fomos vendo que a escuridão faz vítimas, que elas clamam sempre à espera de ajuda quando não desaparecem de imediato. Constatamos que, apesar de alertados, muitos caíram no lado ruim, se aliaram com gente que já estava na escuridão oprimindo os mais simples, acabando com comunidades inteiras bem próximas de nós. “Se as portas são muitas, também são muitas as possibilidades de se perder, mas os caminhos são só dois: o do bem e do mal”, diria o saudoso tio Clemente. Infelizmente para alguns eu preciso dizer:“Eu já não posso considerar a nossa amizade porque, claramente, seus discursos e suas práticas estão favoráveis aos que habitam nas sombras”.

            Não é de hoje que pessoas decentes ousam enfrentar a escuridão, denunciam as forças do mal responsáveis pela destruição da cultura, do nosso povo caiçara. Relatos e imagens são publicados constantemente a favor do reerguimento, do resgate de nossos valores. Eu só tenho a agradecer por pessoas que estão enraizados do lado da luz e contribuem para desmascarar o lado da escuridão. Hoje, acordando neste pensamento, fui buscar um texto da valorosa Priscila Siqueira. O título é:  Vomitando sangue, do livro Genocídio dos caiçaras, publicado em 1984.

Poluição do mar, expulsão da terra, caminhos centenários fechados por cancelas e guaritas. Agora é assim, na ilha da Madeira, Itaguaí, no litoral sul do Rio de Janeiro, desde que há 18 anos a Metalúrgica Ingá se instalou no lugar. A empresa é responsável por 50% da produção nacional de cádmio  - lançando somente por uma de suas chaminés duas vezes mais zinco e 30 vezes mais cádmio do que é permitido por lei, conforme relatórios da Feema.

            Com isso, o mangue situado na área estuarina, que era nascedouro natural de camarões, caranguejos e mexilhões, é agora uma imensa lagoa de águas lamacentas e mortas. E os peixes, segundo os pescadores da ilha, “só dão muito longe da praia”. Com isto, “só os que têm barco muito grande podem ir buscar os peixes”.

            Quando a Ingá chegou na ilha da Madeira tratou muito bem os pescadores que aí viviam. Manuel Francisco da Silva, 74 anos, nascido na ilha, neto de madeirenses, um dos mais velhos do lugar, lembra-se do “médico japonês que a empresa trouxe para nós  - era uma beleza. Ela trouxe até um caminhão de remédio”.

            Mas foi só o começo. Logo em seguida, a empresa fechou a passagem de servidão, isolando as mais de 42 pessoas que moravam na ilha do resto da comunidade. Atravessar a cancela da empresa, constantemente guardada por homens armados, somente os funcionários e os moradores da ilha que têm com que se identificar. Um verdadeiro gueto, com a direção da Ingá pretendendo até a adoção de um cartão de identificação.

          Depois de descrever mais absurdos contra esses irmãos, caiçaras como eu, Priscila conclui:

Diante de tantos desmando, os moradores da ilha chegaram a fazer um abaixo-assinado enviando ao presidente da República, João Figueiredo, onde expunham os problemas que enfrentam por conta da instalação da Ingá. Sobre resultados positivos nada se sabe. Do que se tem certeza é que “acabou tudo o que havia dentro do mangue, os peixes estão fugindo do litoral”, por causa da poluição. Também os mariscos, os mexilhões são coisas do passado: “Morreu tudo que havia de vivo por aqui”...

            As maiores denúncias, entretanto, dizem respeito à saúde dos moradores da ilha e aos operários da Ingá. Os madeirenses se queixam de que suas crianças são constantemente atacadas de bronquite e que todos sofrem de ardência nos olhos. E são muitos os operários que morrem com idade de 40 anos, “vomitando sangue. E a causa ninguém sabe”.

                     E quantos ainda estão do lado de um governo que sempre se declarou contra as minorias? Lembre-se que o caminho são apenas dois! Que tal refletirmos a respeito da luz e da escuridão para agirmos a favor da vida?

2 comentários:

  1. Valeu Amigo. Eu que te agradeço por compartilhar suas memórias e momentos tão preciosos. E acima de tudo te agradeço pelo carinho e amizade.

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    1. Você merece! Tudo de bom sempre. Extensivo às mulheres da sua vida

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