domingo, 19 de abril de 2020

PRAINHA DE OUTRO TEMPO


A casa do Matarazzo (Arquivo JRS)

Vista da Prainha (Arquivo JRS)

        Há muito tempo aprendi que era na Prainha do Padre, do morro do Ocaraçu (Morro do Padre), logo depois da Barra do Rio Grande (de onde saem tantas embarcações em busca dos pescados desse imenso mar), que chegava e saía produtos no tempo antigo, desde quando o país ainda era colônia. Ali se localizava o atracadouro de Ubatuba, o antigo porto. As grandes embarcações fundeavam mais para os lados do Acaraú, onde havia proteção dos ventos e das ondas, e só se deslocavam quando vagava um espaço para carga e descarga.  Então sempre imaginei que devia haver mais coisa naquele lugar, mas nunca achei nada de registro escrito. Porém, nunca deixei de acreditar que, por debaixo do mato que ainda não mexeram, deveria existir coisas interessantes. Assim, na primeira ocasião, adentrei naquela capoeira e achei os tais vestígios: cacos de telhas, restos de objetos tomados por ferrugem, cacos de vidros e de louças. “Ah! Aqui tinha uma casa! E era de gente rica porque naquele tempo a casa de pobre tinha cobertura de sapê!”.  Nada mais... Agora, relendo mais atentamente o Terra Tamoia, da Idalina Graça, achei! Trata-se de uma prosa entre a nossa primeira autora caiçara e um pescador.


       Naquela manhã de luz e harmonia, livre como uma andorinha,  lá ia eu, em companhia do velho Gonçalo, pescador amigo, que viera chamar-me para a compra de camarão. Paramos no Morro do Padre. Gonçalo, apontando uma pedra que se projetava para o mar, disse: 

-   A senhora está vendo aquela rocha, maior que as outras?

-  Sim, acho-a interessantíssima. Tenho a impressão que ela desafia o mar.

-   E é mesmo, dona. Pois a malvada roubou a menina da Prainha, sua companheira de todos os dias, a pequena mais bonita do lugar!  Antigamente, ali onde só há ruínas hoje, havia um grande armazém. Ubatuba exportava café em quantidade. Desciam continuamente a serra tropas de muares carregadas de café, toucinho, milho e feijão, que os tropeiros trocavam por peixe seco e outros produtos de que a nossa terra era tão farta naqueles bons tempos. Pois bem. O armazém do Nhô Bento era mais frequentado pela gente de cima e do lugar, porque era mais rico e sortido. A gente, olhando do mar para a terra, pensava que era um jardim, tantas eram as flores que a Rosinha faceira, luz dos olhos do pai, plantava à volta da casa. A menina era órfã. Morrera-lhe a mãe quando ela nascera. E Rosinha era tão engraçadinha, que todos lhe queriam bem. Assim, Nhô Bento, que era um português casmurro, via-se obrigado a ser alegre como todo mundo, por causa da encantadora menina. E Marta, sua mucama, fazia-lhe todas as vontades.

       Viram que eu tinha razão! Provavelmente Cicillo Matarazzo, prefeito desta cidade no final da década de 1960, que ali na costeira construiu uma casa, registrou mais coisas. O Seo Antônio e a Dona Benedita, caseiros que ali se findaram, poderiam ter contado mais coisas daquele lugar, de algo mais para atiçar nossa curiosidade. Prometo escutar seus familiares, sobretudo suas filhas, a respeito disso.

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