A rede tá chegando (Arquivo JRS) |
Tio Genésio, irmão do vovô
Armiro, um tipo franzino, parecendo sem força alguma, era um grande mestre de
rede. Não conheci outro igual. Em outras ocasiões eu já expliquei que todo
lugar tinha uma rotina de puxada de rede na praia, geralmente num dia por semana.
Só em ocasiões de grandes cardumes chegando no nosso litoral é que mais vezes
era descida a canoa maior, com sua imensidão de pano de rede, cortiças e
chumbeiros. Então, na madrugada, bem antes de o alvorecer, se aguardava em casa
o toque do buzo chamando os camaradas da rede. Vovô e tio Genésio, na praia da
Fortaleza, eram os líderes nessa movimentação tão essencial à comunidade local. “Ah! Quantas
vezes, na madrugada, além de ouvir os galos se revezando no chamamento do dia,
eu prestava atenção no som diferente, de tão importante significado!”
Em uma ocasião, adolescente
ainda, eu fui na faina. Após descermos as canoas, saímos remando dali para a
praia vizinha, a Prainha do Costa, também chamada por nós de Prainha do Tio
Rita. Era tempo frio, com uma chuva fina que arrematava a dureza daquilo tudo.
E para piorar, havia uma correnteza forte que exigia de todos mais força ainda.
Ainda bem que foi um lanço só! Após a canoa da rede desovar toda a tralha bem
longe, começamos a fazer força nos cabos. Enquanto estava longe, tudo bem. Era
tranquilo, estávamos descansados. O saudoso tio Genésio, mestre nato, puxava um
pouco em cada cabo, controlando a chegada das peças. Como ele sabia que a rede
vinha no mesmo ritmo, sem um lado se adiantar mais do que outro apesar da distância
entre os dois lados? Era fácil para quem, desde criança vivia naquilo: bastava
olhar os nós das peças dos cabos chegando
em cada lado. Daí a importância daquele vai e vem do titio, empeçando aquela
montoeira pelo lagamar, vendo a situação e passando as ordens: “Diminuam esse lado, tem quase meia peça na
frente”, ou, “Adiantem, adiantem, tem
peixe batendo na rede e podem sair pelo lado de cá”. “Puxa mais daí. Que mocidade mais sem força!”. Nessa ocasião foi uma
canseira para todos mesmo! Não tinha como fazer corpo mole, ficar enrolando com
o puxador na cintura. Ficamos extenuados, com vontade de se deitar debaixo da
garoa após a chegada da rede. Aquele peso todo, na verdade, era peso morto: uma
carga de folhas que estava no fundo veio na rede. Tinha até um tronco de árvore,
dessas que passeiam com as correntes até serem jogadas um dia em alguma praia.
Peixe mesmo era pouco, tipo “nem paga a pena”. Depois vem o pior: limpar toda a
rede, não deixar nenhuma folha grudada em seu pano, embarcar na canoa, subir no
rolo aquele peso todo para mais tarde, já no juréu de bambu, ver os buracos e remendá-los,
porque logo vem a outra ocasião, o mesmo ritual. “Na semana próxima tem mais”.
Era muito trabalho? Era pesado? Era mesmo! Trabalho igual
eu testemunhei com os outros saudosos mestres
da pesca, de rede puxadas nas praias: Aládio e Florindo Teixeira na
praia do Itaguá, João Zacarias na Maranduba, Pedro Cabral no Perequê-mirim, João Vitório na Enseada, Horácio e Dito da Matta
na Caçandoca, Catarino e Mané Barrasseca na Tabatinga, Acácio e João
Araújo na Ponta Aguda, Bernadino do Prado no Pulso, tio Zaca no Bonete... E quantos outros não viveram a mesma coisa nas tantas praias de Ubatuba, no tanto de
tempos atrás? É isso! Viva essa gente toda!
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