sábado, 18 de abril de 2020

O MUNDO É AÇÃO NOSSA

Canoas caiçaras - prova feminina, Itaguá (Arquivo JRS)


     "Quem cria a visão sacralizada e mágica do mundo? Somos nós mesmos! O nosso lugar é um lugar sacrossanto!" (Antônio Maior -  caiçara de Ubatumirim)

                Surgimos no mundo dentro de um processo evolutivo, desenvolvemos a cultura (que é uma adaptação necessária à vida na natureza e na sua transformação). O mundo é a nossa casa, daí ecologia, de oikos, casa. Cuidar da casa, cuidar do nosso lugar... do planeta que é a nossa casa maior.

                Nos distinguimos no mundo, mas temos consciência que ele é uma sopa cultural resultante de criações, combinações e recombinações constantes desde os primórdios da humanidade. Cada elemento particular nesta sopa tem sua razão de estar aí, significando o seu sabor específico, o seu tempero ímpar capaz de dar sentido à vida de alguém, à vida de muitos até. Eis a importância da diversidade cultural, das etnias abundantes. Quanto pode contribuir a cultura caiçara para um bem maior?

                Procurar respostas, questionar, propor olhar diferente a partir de sua etnia, de seu grupo cultural, é estar nesta casa (mundo) e abrir uma porta para iluminá-la, para arejá-la. É natural que os filhos, as novas gerações sejam atraídas por outras portas, por suas luzes e ares distintos.  Também não é de se espantar, ao ver pais  sem rumo, desnorteados pelas escolhas dos filhos. É evolução o nome disso. Daí a importância de grupos de estudos, de reflexão para entender novas portas que se abrem e assim desmistificar essas movimentações culturais, essas alterações na sopa cultural capazes de até mesmo gerar fanatismos fatais. Desse modo entenderemos as razões do nosso viver, explicitaremos as razões do nosso mundo. No fundo, essas manifestações revelam o componente de autonomia que temos em busca do conhecimento, do autoconhecimento, da realização do nosso ser, no nosso aperfeiçoamento pelo bem-estar corporal e mental. (Possivelmente componentes do que chamam de consciência cósmica?).

                Vamos chamar de espiritualidade essa busca de uma base que não seja materialista, aquilo que paira sobre tudo depois que as cinzas são dispersas no ar.  Muitos aspectos dessa espiritualidade transparecem nos ensinamentos de personagens de outros tempos, de vivências de outras comunidades, de anônimos do nosso cotidiano (Por exemplo: ao olhar um morador de rua, enxergo um ser que vive um desapego impressionante, uma penúria angustiante). Quando me deparo, por exemplo, com um seguidor de KRISHNA, me pergunto: como ele se relaciona com a sociedade, com a nossa sociedade? Quais questões me esclarecem com o seu modo de vida? Qual a luminosidade dele me socorre pelos caminhos? 

         Uma atenção, conforme já disse, numa tarde distante, o saudoso tio Clemente: “Se as portas são muitas, também são muitas as possibilidades de se perder, mas os caminhos são só dois: o do bem e do mal”. E o que é se perder? Creio que se resume em se afastar dessa dimensão (cósmica?) de felicidade, de bem maior que lateja em nós. "A minha casa está num lugar desse lugar maior, infinito?". É isso mesmo! Certo é que as nossas vivências podem nos colocar numa via contrária a essa realização e a essa autorrealização. Ao ver uma boa parcela da população apoiando ideais egoístas, de perseguição às minorias e aos mais pobres, não tem como omitir a percepção de que portas contrárias à felicidade ampla estão abertas e sufocando outras portas essenciais à nossa Humanidade, destruindo a diversidade cultural,  quebrando a possibilidade dessa fraternidade e corresponsabilidade pela vida em abundância. Enfim, arruinando com a casa maior, onde se enraízam as razões mais virtuosas da nossa cultura, das culturas diversas. Tenho dito.

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