Fim da Picada: onde Totonho foi tentado (Arquivo JRS) |
Totonho do Rio Abaixo tinha um olhar bobo, “com as castanhinhas
pequenas nos céus brancos”, parecendo bonzinho. Só parecendo! O jovem da
esquina, que nem o conhece há muito tempo, me disse assim: “Na
real, ele se faz de morto para engolir os vivos. É um puta pilantra,
sabia?”. Sim, eu sabia. Eu sei!
Por ter um “caráter enviesado”, conforme expressão da minha saudosa vó Eugênia,
um dia Totonho passou por uma crise existencial e se converteu a uma religião
evangélica. Parecia um novo homem! Vestia terno e gravata, se pegava com a
Bíblia e não perdia um culto da sua igreja. Parecia um homem novo até que um
dia foi tentado. Não sei dizer o motivo que o levou a me escolher para contar o
seu dilema.
“Sabe, Zé, que uma noite dessas, após eu sair do templo, senti uma velha
tentação: quis ir à ‘Eva’ [zona de meretrício]. Dali mesmo eu telefonei para um
táxi. ‘Me leva ao Perequê-açu? O endereço eu vou indicando’. Conforme o
carro rodava, fui tirando o paletó. Deixando-o dobrado, ao lado da Bíblia
Sagrada, no banco. O motorista me olhava discretamente pelo retrovisor.
Chegando no ‘fim da picada’, no jundu do Perequê-açu, paguei e pedi o
cartão do motorista para o retorno. Sujeito educadíssimo, viu !?! Com o
consentimento dele, deixei no assento do carro o terno e a Bíblia. Na entrada
hesitei, parecia que eu estava entre duas forças. Adentrei ressabiado, a dona
veio me atender. Me indicou uma mesa. Pedi uma guaraná. Em seguida vieram as
‘meninas’, cada uma mais sedutora que outra. Que maravilha! Fui me esquivando, meio
que sem jeito. Pedi mais um refrigerante. Uma loirinha se encostava em mim.
Troquei de mesa uma vez...mais uma vez... e uma vez mais. Queria pedir uma
cachaça, um ‘rabo de galo’. Estava doido para agarrar a menina com tatuagem num
ombro, de mamicas enormes! Nisso veio uma voz na minha cabeça: ‘Não faça
isso, Totonho. Não volte a cometer esse pecado’. Então pensei na minha mulher e
nos meus filhos... no meu caçula que acabara de nascer. Foi quando tive forças:
me levantei, pedi o aparelho no balcão e liguei para que o taxista viesse me
buscar. Suando como um desesperado, paguei pelos refrigerantes –dez contos
cada, acredita? - e saí. O pessoal da zona não deve ter entendido nada do
que aconteceu. Ou melhor: do que não aconteceu! Aguardei poucos minutos,
recebendo aliviado o vento que vinha do mar. O tempo tava virando pra chuva no
dia seguinte. No mesmo local que havia embarcado eu desembarquei: perto do
nosso local de oração. Novamente paguei e agradeci pelo serviço. De tão atordoado
acabei esquecendo a Bíblia e o paletó no carro. Sem ter percebido o fato,
permaneci um tempo parado olhando para o céu, pensando na prova que eu passei.
Que provação! As tentações estão no mundo! E eu também estou! Alguns
minutos depois um carro parou na guia, a porta se abriu e o motorista muito
honrado me entregou os meus pertences. Agradeci-lhe muito pela honestidade.
Ainda permaneci ali um tempinho. Voltei para casa e me resignei em esperar o
tempo do resguardo, em respeitar a recuperação da minha mulher. Quem me deu
forças foi Deus. FOI DEUS!”
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