domingo, 12 de novembro de 2017

TENTAÇÃO DO HOMEM

Fim da Picada: onde Totonho foi tentado (Arquivo JRS)

               Totonho do Rio Abaixo tinha um olhar bobo,  “com as castanhinhas pequenas nos céus brancos”, parecendo bonzinho. Só parecendo! O jovem da esquina, que nem o conhece há muito tempo, me disse assim:  “Na real, ele se faz de morto para engolir os vivos. É um puta pilantra, sabia?”. Sim, eu sabia. Eu sei!
               Por ter um “caráter enviesado”, conforme expressão da minha saudosa vó Eugênia, um dia Totonho passou por uma crise existencial e se converteu a uma religião evangélica. Parecia um novo homem! Vestia terno e gravata, se pegava com a Bíblia e não perdia um culto da sua igreja. Parecia um homem novo até que um dia foi tentado. Não sei dizer o motivo que o levou a me escolher para contar o seu dilema.



               “Sabe, Zé, que uma noite dessas, após eu sair do templo, senti uma velha tentação: quis ir à ‘Eva’ [zona de meretrício]. Dali mesmo eu telefonei para um táxi. ‘Me leva ao Perequê-açu? O endereço eu vou indicando’.  Conforme o carro rodava, fui tirando o paletó. Deixando-o dobrado, ao lado da Bíblia Sagrada, no banco. O motorista me olhava discretamente pelo retrovisor.  Chegando no ‘fim da picada’, no jundu do Perequê-açu, paguei e pedi o cartão do motorista para o retorno. Sujeito educadíssimo, viu !?! Com o consentimento dele, deixei no assento do carro o terno e a Bíblia. Na entrada hesitei, parecia que eu estava entre duas forças. Adentrei ressabiado, a dona veio me atender. Me indicou uma mesa. Pedi uma guaraná. Em seguida vieram as ‘meninas’, cada uma mais sedutora que outra. Que maravilha! Fui me esquivando, meio que sem jeito. Pedi mais um refrigerante. Uma loirinha se encostava em mim. Troquei de mesa uma vez...mais uma vez... e uma vez mais. Queria pedir uma cachaça, um ‘rabo de galo’. Estava doido para agarrar a menina com tatuagem num ombro, de mamicas enormes!  Nisso veio uma voz na minha cabeça: ‘Não faça isso, Totonho. Não volte a cometer esse pecado’. Então pensei na minha mulher e nos meus filhos... no meu caçula que acabara de nascer. Foi quando tive forças: me levantei, pedi o aparelho no balcão e liguei para que o taxista viesse me buscar. Suando como um desesperado, paguei pelos refrigerantes –dez contos cada, acredita? -  e saí. O pessoal da zona não deve ter entendido nada do que aconteceu. Ou melhor: do que não aconteceu! Aguardei poucos minutos, recebendo aliviado o vento que vinha do mar. O tempo tava virando pra chuva no dia seguinte. No mesmo local que havia embarcado eu desembarquei: perto do nosso local de oração. Novamente paguei e agradeci pelo serviço. De tão atordoado acabei esquecendo a Bíblia e o paletó no carro. Sem ter percebido o fato, permaneci um tempo parado olhando para o céu, pensando na prova que eu passei.  Que provação! As tentações estão no mundo! E eu também estou! Alguns minutos depois um carro parou na guia, a porta se abriu e o motorista muito honrado me entregou os meus pertences. Agradeci-lhe muito pela honestidade. Ainda permaneci ali um tempinho. Voltei para casa e me resignei em esperar o tempo do resguardo, em respeitar a recuperação da minha mulher. Quem me deu forças foi Deus. FOI DEUS!”
               

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