Devoção ao Divino (Arquivo Kilza Setti) |
O
meu primo Zé Roberto, criado com mandioca, banana, peixe e bicho do mato, de
vez em quando desenterra umas passagens do nosso povo caiçara e faz a gente rir
muito. “É de gente assim que eu gosto!”.
Numa
manhã dessas, cansados de tomar café e sonhando com ova de tainha assada, escutando
a chuva que retinia numa chapa de alumínio, enveredamos pelo assunto de Folia
do Divino. “Em época assim, num dia frio desse, os coitados dos foliões já
estavam rejeitando café para poupar suas gargantas”. “É mesmo! Principalmente o
versista!”. E aí eu lembrei da ocasião que o Velho Macuco, considerado o melhor
versista de todos os tempos, diante da Bandeira do Divino, na sala do Bito
Onofre, incluiu na música um verso do passarinho na gaiola:
O Divino vai embora/ O dono fica parado/
Coitado do curió que vive engaiolado/
Que benção tem gente assim?/
Que culpa tem o coitado?
Sabe o que
aconteceu? Nunca mais o velho pescador –e passarinheiro como nunca mais se viu!
– quis saber de receber a visita da Folia. “Mais forte que a devoção era a
paixão pelos passarinhos”. E emendou o Zé
Roberto:
- E aquela
vez, no Morro do Araribá, na casa da Dona Maria, assim que começou o
agradecimento, os instrumentos já acompanhando o primeiro verso, o Pedro
Brandão, versista da ocasião, reparou que a pomba da bandeira estava virada de
costas, parecendo desprezar os devotos, mas disso não deu a entender.
A dona da
casa, conforme tradição, segurava o estandarte sagrado. Alguém dos
presentes, acho que era o marido, fez sinal à mulher do que estava acontecendo.
A Dona Maria entendeu os sinais e rapidamente corrigiu a posição da pombinha na
ponta do mastro, feito de um galho reto de jacatirão, de onde saiam as inúmeras
fitas coloridas e as promessas dos fervorosos caiçaras. E os ritos continuaram
cantados. Só na finalização o versista demonstrou que percebeu a falha. E a
última rima saiu assim:
Dona Maria bem cá de cima/ É mulher
inteligente.
Com uma cochada no pau/ Botou a pomba na frente.
Como era
devoto o meu povo!
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