Um período da
minha vida eu vivi na Praia da Fortaleza, a terra da mamãe. A nossa casa
era logo depois de um bananal, ao lado de um mandiocal, no morro do Vovô Armiro.
A água que usávamos era de um poço, num bananal na grota, logo ali na porta da cozinha. Naquele
tempo ainda não tínhamos acesso à tecnologia dos canos. A água corrente mais próxima
era longe, estava no bananal da Tia Martinha, mas não oferecia tanta
declividade. Tinha de ser uma bica, uma calha de bambu que passasse rente ao chão. Papai
não fez isto. Achou mais fácil caprichar num poço todo de tijolos. Trabalhoso era subir até a nossa casa com vasilhas cheias de água. Eu já contei
que era lá, desse lugar, à sombra de uma aroeira, que tínhamos a mais bela visão da Baía
da Fortaleza?
No jundu dessa
praia eu escutei boas histórias, causos da caiçarada e dos meus parentes. Havia
sempre boas gargalhadas de todos nas prosas de serão. O Bito Crode,
também chamado de Bito Bagre, filho da Tia Martinha e do Tio Cláudio Mesquita, era o
campeão nos causos. Ou entrava como narrador ou entrava como protagonista nos
casos de outros. Agora, tendo me encontrado com a sua neta Daniele, filha do
Mané, me recordei deste:
O Bito Bagre
sempre ia pescar na Ponta da Fortaleza. Era costume pegar a sua canoinha,
nomeada de Goetinho, fundear entre a Lage de Fora e a Ponta e
largar a linhada. De vez em quando ele fazia uma boa pescaria, mas muitas vezes
desembarcava no lagamar só com alguns peixinhos dentro do balaio. Faz parte do ritual caiçara, assim que uma embarcação embica na praia, sempre
chegar alguém para ajudar a puxá-la (nos rolos, para cima do jundu,
onde fica o rancho). De longe ele grita: “E aí, pegou alguma coisa?”. Quando a
pescaria tinha sido boa, o Bito Bagre sorria e apontava o balaio no fundo da
canoa. Caso não sorrisse e apenas dissesse “nada, só uma miuçalha”, podia se
preparar que vinha um causo. Quase sempre era deste tipo: “Pesquei bastante,
dei sorte. Também, né?, as águas viraram pra sul só na hora do almoço. O que tá no balaio é o resto. Só que
era muita coisa mesmo! A maioria era pescada amarela. Até dois robalos grandes eu puxei pra bordo. Na hora, lá
mesmo eu decidi: remei até no Lázaro e vendi para o Peres”. Ou seja, o
experiente pescador nunca saía em desvantagem.
“Numa ocasião...”
– contou o Zezinho Rozeno – “...um navio inglês naufragou no largo, quase
chegando na Ilhabela. Levava, entre outras coisas, uma grande carga de trilhos
para a construção de ferrovias na Argentina. Aquele era o assunto da semana”. E
naquela semana, tendo chegado de uma fraca pescaria, o Bito Crode fez esta
variação: “Hoje eu não pesquei nada, mas foi o meu dia de sorte! Um monte de trilhos estava boiando
perto do Saquinho do Zacarias. Juntei eles e levei até a Venda do João
Zacarias. Ele vai deve negociar aquilo tudo e depois dará a minha parte. Acho
que vai dar um bom dinheiro”. Imediatamente alguém retrucou: “Mas trilho não
afunda, Bito Crode?”. A resposta imediata do filho da Tia Martinha foi: “Afunda
sim, mas eu fui ligeiro e recolhi antes tudo o que pude”.