Praia Deserta (Ubatuba), depois da Ponta da Fortaleza (Arquivo JRS) |
Ao começar a
segunda parte do relatório dos professores Pedro e Vera, meus compadres desde o
começo da década de 1990, vem-me à mente a imagem da primeira vez em que nos
encontramos: eles retornavam para a Ilha dos Búzios com uma bagagem bem
diversificada (até codornas tinham) e as duas crianças pequenas (Sibila e
Pedrinho). Na hora eu pensei: “Esses dois são corajosos!”. Foi quando eu
confirmei um dizer dos dois: “Estamos vivendo lá, entre os caiçaras-ilhéus, mas
para ensinar é necessário mais”.
Eu creio que vale
a pena retomar o texto para ver a
importância da inculturação, de ir na outra cultura para viver a partir de um
novo lugar. Imagine, então, o desafio de ser professor nesse novo contexto!
A
criança buziana chega à escola com “grande conhecimento” das interrelações em
sua comunidade nos aspectos sociais, econômicos e culturais que, devido à situação
insular, são bastante específicos, além
de dar-lhes a total certeza da distância e diferença de outras regiões e
culturas. Diante disso, o professor não tem a função de um decodificador
sistemático do código escrito, como se fazia, ou fazem alguns devido às
pressões, pois os valores da Educação variam tanto que também lá (na Ilha dos
Búzios) a comunidade espera que o professor eduque seus filhos.
Ora,
se educar é formar o cidadão, não podemos treinar crianças de forma que elas saibam ler e
escrever, sem no entanto interiorizarem para que ler e escrever.
Não
podemos levar em frente esse “status de
alfabetizado” em que o indivíduo aprende “ba-be-bi-bo-bu” e depois isto não lhe
é útil, sendo muitas vezes funcional, pois cobre certas “necessidades” como
assinar documentos. Ele assina o documento, porém não consegue avaliar a
necessidade disto ou daquilo. Ele é empurrado por uma sociedade que lhe
administra necessidades e lhe empurra (sem tempo para o raciocínio e o
sentimento legítimo), gerando consumidores e mão de obra barata.
Para
formar o cidadão temos antes de ter a coragem de trabalhar de uma forma
diferente, mesmo que alguns não entendam e outros não queiram entender (pais, diretores, supervisores, professores)
como essas novas maneiras de ensinar abrangem melhor os conteúdos e permitem
aos alunos a apreensão dos mesmos, além de uma nova valorização da leitura, da
escola e da Educação como um todo.
Por
isso se faz necessário o trabalho abrangente com a cultura local em toda a sua
complexidade, desde o início da escolarização, para que a alfabetização se
consolide como compreensão, visão, leitura de mundo. E assim todo o Processo
Educacional se faça pelo educando auxiliado pelo professor, mero facilitador da
aprendizagem.
Pode
parecer comum diante da avançada pedagogia brasileira, mas não se vê e não se
reflete nas comunidades todos os avanços
que saem publicados, pois sem entender as transformações de sua cultura
e sem valorizar as tradições (imposições
da mídia, do consumismo), a escola tem servido de retrocesso, já que reproduz
valores impostos sem o verdadeiro conhecimento das necessidades, causas e
consequências. O que tem levado ao analfabetismo funcional.
Aprender
não é uma questão de dificuldade, mas de tempo, de ritmo, de se adequar à
comunidade que tem tanta tanta coisa que não conhecemos. À vezes exemplificamos
algo com tamanha clareza que causa perplexidade os alunos não alcançarem a compreensão
necessária, não ampliarem o tema. E, verificando, vemos então que a compreensão
enraizada na cultura é, para nós e para eles, passo a passo, misturada até que ambos ensinem seus
significados –seus mundos, seus sentimentos – suas condições e visões de mundo e então decidam
pela continuidade do processo.
Foi
assim que optamos pelo construtivismo sem querer reproduzir com ele o que se
vem fazendo nas escolas brasileiras, onde mudam-se os métodos sem mudarem os valores.
Tem sido difícil, pois nem todos compreendem a importância de se começar de novo. Dizem que se deve
prosseguir apesar dos erros passados. Porém, acreditamos que prosseguir não
significa construir sobre alicerces podres. Temos que limpar a área e recomeçar
(o que significa trabalho maior). Muitos prosseguem sem essa “limpeza”; por
isso continuamos a assistir a “vergonha do Sistema de Ensino” e o insucesso do
povo que, mesmo estudando passa fome e morre ao relento.
Acreditamos
e já vimos resultados em nosso trabalho (o que não é suficiente, pois a luta é
pela continuidade do PROCESSO).
Conclusão:
Dessa vivência
(seis anos) com os moradores da Ilha dos Búzios, foi notável a transformação em
toda a família. Seguiu-se um trabalho semelhante em outra escola isolada, na
Praia Mansa, depois dos Castelhanos. Seus filhos são caiçaras mesmo!
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