Enquanto tomo um café com abacate e farinha...(ArquivoJRS) |
Eu e Dito Madalena |
Ao amigo Chico Abelha:
Você tem razão ao perceber a situação melindrosa na área visitada (Caçandoca, em Ubatuba). Posso contribuir com mais elementos, talvez esclarecedores?
Conforme a nossa história de vida, está mais que evidente uma verdade: nós, caiçaras do litoral norte paulista, nos desgarramos (ou fomos arrancados) das nossas posses por uma lógica capitalista. Assim, posso elencar alguns aspectos pertinentes ao assunto:
1º) O isolamento nos apresentou uma vida simples, de dependência da natureza e da criatividade, a filha da necessidade. Porém, essa vida passou a ser encarada como penúria ao ter contato e saber da existência das comodidades das cidades, dos ritmos comercial e industrial.
2º) As dificuldades em acompanhar ou desfrutar das modernidades instigou a procurar formas de abdicar da vida simples, mais ligada ao meio rural.
3º) Negociar a terra, a sua posse às vezes por muitas gerações, foi uma alternativa quase que instantânea com o advento turístico, a partir das rodovias (década de 1930 - Taubaté; década de 1950 - Caraguatatuba).
A confluência desses motivos principais fez com que irmãos enganassem irmãos e grileiros tivessem a preferência nas comunidades. Tudo isso, sem que a maioria percebesse, sob a batuta de grandes empreendedores. Prova disso foi o domínio de fulano na Praia do Pulso, de beltrano na Praia Vermelha do Sul, de sicrano na Praia Dura etc. Detalhe: todos doutores de muito dinheiro! E aí se deu a diáspora que, enxergando na sua amplidão, podemos dizer que foram poucos os casos de violência explícita. Desafiador é perceber a violência implícita que continua existindo. Por isso, causa-me orgulho saber ou ter acompanhado exemplos de caiçaras que se grudaram em suas posses, brigaram até mesmo em instâncias federais para não saírem como a maioria da parentada (que foram morar nos sertões distantes, sobre áreas impróprias, de brejo ou mangues de cidades maiores, sobretudo na Baixada Santista). Falem o que falar, mas um exemplo de resistência, dentre vários outros, é o Benedito Antunes de Sá, o "Dito Madalena", cuja amizade eu travei em 1981, numa casa de farinha, no Saco dos Morcegos.
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