"Tá todo mundo louco por espada no Caisão!" (Arquivo JRS) |
O presente texto é um relato de trabalho com os caiçaras da Ilha dos Búzios, no arquipélago de Ilhabela (Ilha de São Sebastião). Aconteceu da metade da década de 1980 até 1992, com os meus compadres Pedro e Vera: ele, natural de São Luiz do Paraitinga; ela, de Santos. Portanto, de experiências em outros lugares bem diferentes de uma comunidade de ilhéus, tendo que viajar algumas horas de barco até avistar os trapiches na costeira. O relatório, preservado entre os meus papéis, fez parte de um trabalho de educação ambiental a partir da vida, do conhecimento dos caiçaras. Ou melhor dizendo, uma maneira de abranger a etnobiodiversidade. Nessa época criamos oportunidades de conhecer muita gente que nunca apareceu na mídia, nem foi devidamente valorizada pelo sistema de ensino oficial, mas que estava fazendo a diferença junto aos mais pobres deste litoral (norte paulista).
As decisões que levam professores a lecionar em Escolas Isoladas são bastante comuns - eles querem lecionar e pela pontuação que possuem não têm outra escolha.
Chegando em uma comunidade, nada melhor do que ver, enxergar as pessoas,os lugares e as situações. É interessante e peculiar. Podemos conhecer através das posições que as pessoas assumem, suas lideranças e seus medos. Mas a VISÃO é traiçoeira e para lecionar temos de ir além do olhar.
Muitos se mostram e se prontificam a integrar-nos, mas as diferenças culturais podem nos levar a interpretações que conduzirão a práticas e conceitos educativos errôneos.
Ouvindo atentamente as pessoas, tentando participar das mais diversas atividades cotidianas de adultos e crianças, suas relações familiares, comunitárias, com terceiros e profissionais. Aos poucos - e com bastante atenção! - vai formando um mundo curioso de formas, palavras e sentidos singulares e enraizados. E o que é mais impressionante é a certeza que as pessoas têm do resultado de qualquer atitude.
As justificativas, as concessões... tudo medido, dosado de acordo com a relevância do fato ou da pessoa atingida. Mas ainda assim não se tem a medida justa. Para ensinar é preciso mais.
Ao tentar se integrar nas relações da comunidade é que se vai apurando os sentidos; assim mesmo, SENTINDO. Na maioria das comunidades isoladas o professor não terá vida própria. Será a instituição, a ESCOLA, sem direito a vida própria, deverá manter o seu papel com dignidade e humildade. Só que isso não é possível. Professores são seres humanos como aqueles a quem ensina (e demais familiares). De certa forma “desprotegido”, já que fica isolado de sua comunidade, em uma comunidade isolada. Quem imagina a situação?
Com todo “sentimento e sentidos” apurados: é neste ponto que se começa a aprender as razões de cada atitude e os motivos que desenvolveram esta cultura (caiçara-ilhéu).
As situações de vida diária numa comunidade pequena “isolada” tem aspectos relevantes que necessitam de abordagem delicada e bem elaborada. Isto porque a visão do educando e seus sistemas são bem diferenciados, cabendo ao professor, se adequar à cultura valorizando-a.
As transformações da cultura, apesar de ser um processo natural, não são apreendidos com a mesma naturalidade. E, as mudanças ocorridas, não são “entendidas” nos seus valores totais, levando a comunidade a atitudes contraditórias com seus próprios hábitos. Assim, pesquisando, forma-se aos poucos o roteiro das atividades escolares com maior valor para aqueles que estarão sendo educados na rede de ensino.
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