terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

TIO LÚCIO, O PASSARINHEIRO




Ao aniversariante Estevan. Com carinho.

              No livro Tocaia Grande, do baiano Jorge Amado, encontrei uma passagem que fez me lembrar do finado tio Lúcio Félix, um passarinheiro inveterado:

                “Um passarinho alegra a casa e mesmo o lar mais pobre e desolado se enriquece e         se                embeleza com o canto e a plumagem de um currupião, um sabiá, um cardeal, um curió,          um pássaro-preto, um canário-da-terra, um papa-capim, um pintassilgo; a lista é vasta.   Quanto aos periquitos e aos papagaios, são íntimos e inestimáveis companheiros”.

                O personagem Dodô Peroba “não caçava passarinhos para os vender na feira, tampouco para tê-los simplesmente cativos em gaiolas. Da farta recolha das trampas, muitas vezes o passarinheiro não guardava sequer  uma única ave. Depois de estudá-las com atenta minuciosidade, de sujeitá-las a ensaios e exercícios curiosos e estranhos, selecionava pouquíssimos exemplares, baseando-se em misteriosas conclusões só dele conhecidas. Voltava a soltar a grande maioria, quando não a totalidade, e, ao vê-los voar felizes com a inesperada liberdade, demonstrava tal contentamento que se poderia imaginar um absurdo: ele os aprisionava apenas para ter o prazer de libertá-los”.   

                O tio Lúcio, na década de 1970, armava suas gaiolas de alçapão, seus bates pelas redondezas do areal da praia do Sapê. Até mesmo periquitos “cu tapado” eram feitos cativos nos grandes viveiros e nas dezenas de gaiolas que se espalhavam pelo terreiro, nas árvores e no beiral da casa do vovô Estevan. Era um mundo de cores e sons distribuídos em bonito-terê, bonito-fogo, sanhaço, tié, coleirinha, pintassilgo, saíra de toda espécie e tantos mais. Dava-lhe um trabalhão a cada manhã a limpeza,  a alimentação e outros cuidados sobre tudo aquilo.
                Além das frutas (laranja, mamão, banana...), também havia as rações diversificadas. Em algumas gaiolas, onde estavam os melhores cantadores, ele punha preso por um arame cascas de ovos de galinha. Dizia que servia "para afiar o bico, não deixando perder a afinação".

                Nada menos de que dez gaiolas pousavam dentro de casa, na sala, com os melhores cantadores. Não tinha como não ser acordado bem cedo por curiós, canários e outros de maravilhosos cantos e pios. Eram os que mereciam os primeiros cuidados a cada dia. E isso ia, ia, ia... até que, num belo dia, sem nenhum aviso, as portas eram abertas. Rapidamente todos voavam pelo espaço frondoso junto ao Rio do Boi, seguindo a vargem que alcançava o Sertão do Ingá. Depois de uma quinzena ou mais, ele começava novas capturas.

                Agora, depois de tanto tempo, digo que o tio Lúcio pensava como Dodô Peroba. Ele os aprisionava apenas para ter o prazer de libertá-los.

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