Ao aniversariante Estevan. Com carinho. |
No
livro Tocaia Grande, do baiano Jorge Amado, encontrei uma passagem que fez me
lembrar do finado tio Lúcio Félix, um passarinheiro inveterado:
“Um passarinho alegra a casa e mesmo o lar
mais pobre e desolado se enriquece e se embeleza
com o canto e a plumagem de um currupião, um sabiá, um cardeal, um curió, um pássaro-preto, um canário-da-terra,
um papa-capim, um pintassilgo; a lista é vasta. Quanto aos periquitos e aos papagaios, são íntimos e inestimáveis
companheiros”.
O
personagem Dodô Peroba “não caçava passarinhos para os vender na feira,
tampouco para tê-los simplesmente cativos em gaiolas. Da farta recolha das
trampas, muitas vezes o passarinheiro não guardava sequer uma única ave. Depois de estudá-las com
atenta minuciosidade, de sujeitá-las a ensaios e exercícios curiosos e
estranhos, selecionava pouquíssimos exemplares, baseando-se em misteriosas
conclusões só dele conhecidas. Voltava a soltar a grande maioria, quando não a
totalidade, e, ao vê-los voar felizes com a inesperada liberdade, demonstrava
tal contentamento que se poderia imaginar um absurdo: ele os aprisionava apenas
para ter o prazer de libertá-los”.
O
tio Lúcio, na década de 1970, armava suas gaiolas de alçapão, seus bates pelas redondezas do areal
da praia do Sapê. Até mesmo periquitos “cu tapado” eram feitos cativos nos grandes
viveiros e nas dezenas de gaiolas que se espalhavam pelo terreiro, nas árvores
e no beiral da casa do vovô Estevan. Era um mundo de cores e sons distribuídos em
bonito-terê, bonito-fogo, sanhaço, tié, coleirinha, pintassilgo, saíra de toda
espécie e tantos mais. Dava-lhe um trabalhão a cada manhã a limpeza, a alimentação e outros cuidados sobre tudo
aquilo.
Além
das frutas (laranja, mamão, banana...), também havia as rações diversificadas.
Em algumas gaiolas, onde estavam os melhores cantadores, ele punha preso por um
arame cascas de ovos de galinha. Dizia que servia "para afiar o bico, não
deixando perder a afinação".
Nada
menos de que dez gaiolas pousavam dentro de casa, na sala, com os melhores
cantadores. Não tinha como não ser acordado bem cedo por curiós, canários e
outros de maravilhosos cantos e pios. Eram os que mereciam os primeiros
cuidados a cada dia. E isso ia, ia, ia... até que, num belo dia, sem nenhum
aviso, as portas eram abertas. Rapidamente todos voavam pelo espaço frondoso
junto ao Rio do Boi, seguindo a vargem que alcançava o Sertão do Ingá. Depois de uma quinzena ou mais, ele começava novas capturas.
Agora,
depois de tanto tempo, digo que o tio Lúcio pensava como Dodô Peroba. Ele os
aprisionava apenas para ter o prazer de libertá-los.
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