Que paraíso! (Arquivo Chieus) |
Eu,
menino crescido na Praia do Perequê-mirim, escutei muitas histórias da Ilha
Anchieta, desde o tempo dos caiçaras, antes do presídio, até detalhes da rotina
e do levante da ilha em 20 de junho de 1952. Em volta dela pesquei muitas
vezes.
Aprendi
que antes do presídio, no tempo em que aquele lugar era a Ilha dos Porcos,
vivia ali mais de cem famílias. Depois que o governo requisitou o local para
fazer o presídio, por volta de 1910, toda essa gente foi espalhada pela costa
do município. Lembro-me muito bem do
saudoso Dito Coimbra e de suas lembranças do tempo em que morava na ilha. “O
governo mandou que a gente se virasse, encontrasse um lugar para morar porque
ali ninguém podia ficar. Nós não recebemos nada”.
Conheci
alguns dos caiçaras que trabalharam no presídio (Rodolfo Cabral, Benedito Góis,
Francisco Cruz...), ouvi detalhes do lugar que tinha padaria, plantações,
inclusive de legumes e verduras, onde,
após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, ficaram detidos os membros
da Shindo Remei (que não aceitavam a derrota do imperador de status divino).
Disse-me a dona Rita: “Aqueles japoneses
da horta trabalhavam com afinco, sem precisar ser vigiados. Eram muito educados
e respeitadores. Eles produziam muita
coisa na Praia Grande da Ilha”.
Do
velho Henrique eu escutei o caso de um italiano inocente, mas que ficou vários
anos confinado na ilha: “Dava dó ver aquele homem que se atrapalhava na nossa
fala. O que ele contava tinha fundamento, mas ninguém da Força Pública fazia
esforço para resolver a sua situação”. Bem mais tarde, lendo um livro me ofertado pelo estimado professor José Hércules
Cembranelli, cuja autora era a vizinha do seo Dito Freitas, a dona Idalina
Graça, encontrei uma referência ao mesmo caso, feita por Willy Aureli, o
jornalista que descobriu a escritora caiçara. Ah, como eu gostaria que os
estudantes dos dois estabelecimentos que a homenageiam soubessem um mínimo
dessa valorosa mulher!
“Foi em janeiro de
1931 que conheci Ubatuba, quando a serviço da ‘Folha da Noite’, realizei uma
reportagem na Ilha dos Porcos, onde para mais de 400 infelizes se encontravam
detidos.
Tinha alcançado
aquele presídio de tão tristes recordações, a bordo de um naviozinho da ‘Costeira’,
que, por uma deferência toda especial à
minha condição de jornalista, fez uma atracação fora do programa na ilha, que
agora tem o nome do taumaturgo Anchieta. Lá permaneci uns dias, entrando em
contato com todos os presos, ouvindo deles as lamúrias, as queixas, os apelos.
Entre eles havia nada menos do que 16 completamente inocentes, vítimas da sanha
de certos policiais desalmados. Um era
oficial de um transatlântico italiano e fora apanhado na faixa do cais de
Santos, atordoado pelas bebidas, e que, depois de despido da sua brilhante
farda, descalço, sem nenhum documento e espoliado do seu dinheiro, tinha sido
metido no porão do navio que levava presos para a ilha. Trabalhava como
motorista do diretor do presídio, enquanto a sua família, em Gênova, continuava
desesperada pelo sumiço misterioso do ente querido”.
Se
inteirando de notícias assim, sabendo da superpopulação e de outras injustiças,
fica fácil entender a revolta dos presos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário