Oba! Canoa Caiçara! Bem-vindo! Max aproveita cada madeira tombada no Camburi. (Arquivo Canoas) |
Quando
criança, graças à moral dos pregadores que passavam pelo espaço caiçara, o
carnaval era diversão para ser evitada, “tempo de orgia”.
A
nossa vizinha, a dona Aparecida, uma evangélica recém-convertida, piorava ainda
mais as coisas. Nomeava de “Cocheira” o local, o clube do Anchieta Futebol
Clube, no Perequê-mirim, onde uns tocadores locais arrebentavam os instrumentos
nas marchinhas de outros tempos. Era um termo depreciativo, onde frequentavam “as
vacas, essas mulheres que não têm vergonha na cara”. Mesmo assim nós não
perdíamos os matinés, se enrolando em serpentinas e confetes. A mamãe ia,
discretamente, pelo cercado de bambu, olhar a nossa diversão. Afinal, não queria se indispor com a
vizinha.
Os
mascarados eram atração especial nos dias de carnaval. Tratava-se de
adolescentes e jovens do bairro que saíam em grupos com varas, dispostos a correrem
atrás das demais crianças e descerem a guasca, provocando choro. A gente
provocava muito eles, principalmente quando eram reconhecidos e todos passavam
a gritar seus nomes. Depois de darem um show, se retiravam para algum lugar no
mato onde se desvestiam e davam um jeito de não deixar pistas.
Era
tempo de carnaval, da festa da carne. Depois, ao chegar a quarta-feira de
Cinzas, as testas ficavam marcadas e... era tempo de penitência aos católicos!
Com
o passar dos tempos, das leituras e reflexões, foi aparecendo a verdade: a
festa da carne, dos prazeres, era muito mais antiga que eu imaginava. Vinha dos
pagãos, dos discriminados pelo cristianismo. Desde os primórdios os homens
sentem que precisam se divertir e extravasar seus sentimentos contidos pelas
tarefas de rotina. Assim garantiram um ritual que cresceu e teve de ser
considerado até pelo pessoal do calendário cristão.
Ambos,
o Carnaval (tempo de diversão e de prazer), uma paixão de muitos milênios, e, o
Natal (dia do nascimento do sol), foram incorporados ao calendário oficial,
gregoriano. Só tomando essas medidas, era possível converter os povos pagãos,
devassos, adoradores de outras divindades da Antiga Europa. A ideologia nova,
imposta pelo imperador romano, conseguiu trabalhar as mentes, redirecionar toda
paixão popular para um calendário
litúrgico que deveria ser seguido à risca.
Hoje,
as linhas religiosas fundamentalistas ainda continuam ativas. Coitada da finada
dona Aparecida que nem queria olhar para o outro lado da rua, onde ficava a “Cocheira”,
um ponto de união da praia do Perequê-mirim! Agora, se não estou enganado, por
falta de lugares assim, a juventude crescida na hipocrisia fundamentalista, na propaganda para um consumo desenfreado está desorientada, copiando porcarias exóticas e preferindo se drogar. Que pena! Foi-se o tempo em que nós, em plena Quaresma, perguntávamos: "Mamãe, tá ainda muito longe o tempo de orgia?". Depois, assim que passava as festas de fim de ano, novamente o desespero: "Mamãe, já é tempo de orgia?".
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