segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

A ILHA DE ONTEM E DO DIA SEGUINTE

 

A ilha lá longe   (Arquivo JRS)

       A minha amiga Sandra, de Caraguatatuba, externou dois desejos: conhecer a Gruta que Chora e a Ilha Anchieta. Logo eu expliquei a lenda da serpente que se origina na gruta da praia da Sununga. Depois, recorrendo ao trabalho do amigo Peter, enviei a ela alguns fragmentos para a leitura. E me prontifiquei a conversar depois. Caso queira se aprofundar, eu lhe indico também: Németh, Peter Santos. A tradição pesqueira caiçara dos mares da Ilha Anchieta: a interdição dos territórios pesqueiros ancestrais e a reprodução sociocultural local - São Paulo, 2016.


      Primeiro é preciso saber que, há muito tempo, outros povos habitaram este território caiçara no litoral norte paulista. Assim, compartilho a partir de hoje, o que selecionei e os comentários que fiz. Espero que lhe seja útil também.


Breve descrição sobre a área de estudo: sabe-se que muito próximo à Ilha Anchieta, em direção oeste na vizinha Ilha do Mar Virado e ao norte na Praia do Tenório, existem sambaquis que atestam a ocupação humana por populações provavelmente canoeiras (AMENOMORI, 2005; CALLIPO, 2011; BENDAZOLLI, 2014) nessa região da Ilha Anchieta, por um período contínuo de aproximados mil anos, de 620 a.C. até 550 d.C. (UCHO, 1993, 2009; NISHIDA, 2001; BENDAZOLLI, 2014).


      Portanto, faz muito tempo que brotou neste chão de Ubatuba as nossas raízes. Não de é ontem que dependemos do mar e da terra para sermos o que somos, mas de muito tempo mesmo!


O assentamento do sítio Mar Virado se deu por [um] grupo pescador-coletor entre os anos 1546 a.C. a 550 d.C. com permanência mais ou menos de 900 a 1000 anos. Por volta do séc. X o sítio foi reocupado pelos Tupi que permaneceram naquele local até o ano 1000. No séc. XVI tivemos a chegada dos europeus. Do séc. XVIII até meados do séc. XX, a presença marcante foi dos caiçaras. Trabalhos de etno-história e etno-arqueologia demonstram também a manutenção das populações pescadoras até os dias atuais.


     Eu já escrevi que a tia Gaidinha, descendente de africanos, toda essa gente dos Inocêncio, tiveram uma vida intensa lá no Mar Virado. Também era lá que os meus parentes da Fortaleza preferiam ter suas roças, evitando assim a praga das saúvas.    Mais coisas o Peter fez questão de registrar em seu trabalho para que a gente entendesse melhor os nossos ancestrais primeiros.


Ao que tudo indica, a pesca era desenvolvida com utilização de canoas. Chegamos a essa conclusão pela importância das lâminas de machado para os habitantes do sítio, bem como pelas alterações dos membros inferiores dos esqueletos encontrados, resultante, provavelmente, de um esforço constante de remar em pé. Acreditamos que a lâmina de machado fosse utilizada predominantemente na elaboração das canoas (TENÓRIO, 1999: apud CALLIPO, 2011: p.42-44)


    Portanto, ao visitar esses lugares, faça uma reverência aos espíritos daqueles que, nas adversidades, deixaram suas marcas e estão na base das nossas raízes culturais. Quando os europeus chegaram, eles abraçaram os conhecimentos e as experiências mais que milenar perpetuada por quem ali estava vivendo. O Estado e a sanha capitalista, a partir do século XX, ao expulsarem e/ou embargarem o pescador caiçara às riquezas desses lugares - seus, por direito milenar! -, cometem, no mínimo, crime cultural, além de alijarem o principal aliado do meio ambiente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário