quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

A PENCA DE BANANA

 

Quereis uma penca? (Arquivo JRS)



         O estimado amigo José Carlos de Góis, além de valoroso profissional do Direito, é craque na escrita de poesias e causos. Eu desejo a ele, à Aládia e aos demais familiares Boas Festas sempre. Que em 2022 possamos apreciar mais contribuições desse caiçara da Enseada neste blog. Gratidão a essa gente boa! Quereis uma penca, amigo? 

 

Corria o ano de 2.002. Eu advogava no escritório do meu saudoso amigo Dr. Eduardo Barbosa Macedo. Havia me inscrito na assistência judiciária, Convênio Procuradoria Geral do Estado e Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo.

 

Um belo dia do mês de março atendi uma cliente enviada pela OAB. Era uma senhora de uns trinta anos de idade, muito simpática, que foi logo dizendo: Bom dia, dotô. O sinhô foi anumeado pela Óbê pra pegá uma causa minha. E me contou sua história: há seis anos o seu cunhado havia lhe cedido um terreno vizinho da casa dele no Bairro do Ubatumirim para ela construir uma casa e residir com o marido e três filhos pequenos. A casa foi precariamente construída com madeirite, chapas de zinco, telhas de amianto. O chão só ficou no contrapiso muito mal feito. Colocou água da serra na casa e fez o relógio de luz em seu nome com a instalação de energia elétrica pela Elektro. Agora a casa estava precisando ser reconstruída, pois as paredes estavam se desfazendo, o telhado vazava muito na época das chuvas e o chão do quarto estava se abrindo. Com muito sacrifício ela e o marido compraram o material, mas, quando o caminhão chegou para entregar, seu cunhado impediu que o motorista adentrasse o terreno, que ficava uns trezentos metros da BR-101. Conversou com o cunhado e ele lhe disse que ela tinha que desocupar o imóvel, que fosse procurar outro lugar para morar. E foi mais longe: pôs uns mourões de concreto e uma grossa corrente com cadeado para impedir o acesso de veículos até sua casa. Por isso ela tinha procurado a OAB, pois não tinha condições de contratar um advogado, e eu fui nomeado para defender seus interesses.

 

Ela falava muito, e, ao final de sua narrativa, me disse: Dotô, eu não tenho dinheiro pra lhe oferecê, mais meu pai tem uns terreno no Sertão do Ubatumirim e me disse que se o sinhô ganhá a minha causa ele vai lhe dá um terreno de déis metro de frente por quarenta metro de fundo.

 

Respondi-lhe que eu já estava sendo pago pelo Estado, mas ela insistiu que ia me dar o terreno por gratidão (mas, é claro, teria que ganhar a ação).

 

Lhe orientei a tirar umas fotos da casa, da frente, dos fundo, das laterais, do interior mostrando seu marido e seus filhos, a fissura do chão do quarto, bem como dos mourões e da corrente com o cadeado. Pedi também que ela trouxesse o comprovante de ligação da energia elétrica e a primeira conta quitada por ela.

 

No dia seguinte lá estava ela no escritório com os documentos que solicitei. Pelas fotos podia se ver que a casa precisava de reformas urgentes. Ingressei com uma ação de interdito proibitório e a Juíza da Vara para a qual foi distribuída deu a liminar, determinando a retirada dos mourões e da corrente, permitindo que ela reformasse a casa, sob pena de multa diária.

 

Quando ela retornou ao escritório e dei-lhe a notícia, exultou de alegria: Dotô, muito obrigado! Olhe, já vô falá pro papai marcá o terreno do sinhô, tá bão?”

 

E o processo prosseguiu: a parte contrária contestou o feito, houve uma audiência de tentativa de conciliação que restou infrutífera, e a Juíza marcou uma audiência de instrução e julgamento para ouvir testemunhas. Minha cliente me passou o nome de três testemunhas e seus respetivos endereços, e solicitei que na véspera da audiência ela levasse as mesmas no escritório para que eu pudesse conversar com elas, orientá-las sobre o andamento da audiência, etc..

 

Então, na véspera da audiência ela compareceu com as testemunhas, e após eu ter conversado com elas, e terem se retirado, minha cliente falou efusivamente: Dotô, minha causa já tá ganha, né dotô? Olha Dotô, meu pai já marcô o seu terreno: é uma belezura! Déis metro de frente por quarenta de fundo! Tem laranjeira, mixiriqueira, já dando fruta. E é plaininho, plaininho. O sinhô vai gostá muito Dotô!

 

Pois bem, houve a audiência, um mês depois saiu a sentença favorável à minha cliente, reconhecendo a posse dela sobre o terreno. A parte contrária não apelou sob a condição de ela cercar o terreno, mas deixando de fora um pé de jaca que era de sua estimação. Ela concordou, a Juíza homologou o acordo e a sentença transitou em julgado.

 

Ao retornar ao escritório, lhe entreguei a sentença, o acordo, a homologação e a certidão de trânsito em julgado. Ela então me disse: Ah Dotô, como Deus é bão!... Eu sabia que eu ia ganhá essa causa! Muito obrigado Dotô! Lá pro meio da semana que vem eu venho falá com o sinhô.

 

Não retornou. Passados mais ou menos uns dois meses, cheguei ao escritório de manhã e ao adentrar minha sala deparei-me com uma linda penca de banana nanica sobre a minha mesa. Fiquei intrigado e fui até a sala do Dr. Eduardo e indaguei-lhe quem tinha posto aquela penca de banana sobre a minha mesa. Ele me disse que foi uma senhora do Ubatumirim que havia me trazido. Que essa senhora lhe disse que eu tinha trabalhado numa causa dela, ficou muito contente com o meu trabalho e em gratidão me trouxe a penca de banana.

 

Comecei a rir às gargalhadas! O Dr. Eduardo não entendeu nada e perguntou se eu estava doido. Contei-lhe tintim por tintim o ocorrido e, então, juntos, rimos também às gargalhadas!

 

Vejam só que incrível metamorfose: O “meu terreno”, com quatrocentos metros quadrados, com laranjeiras, mexeriqueiras, planinho, planinho, se transformou numa penca de banana!

 

 

JOSÉ CARLOS DE GÓIS -  29/12/2021

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