domingo, 28 de fevereiro de 2021

ATÉ COM AS ESTRELAS?

 

Porto do Cruzeiro - Iperoig (Arquivo Ubatuba - História)

       Olhando umas imagens antigas, me detive em algumas que mostravam o centro da cidade de Ubatuba em meados do século XX. "Ah! Esta é bem conhecida! Era a Mercearia Popular, do velho Maciel!".

       Francisco Maciel, comerciante antigo, originário de Caraguatatuba, que antes tinha um famoso armazém na praia da Enseada, se instalou na esquina das ruas Dona Maria Alves e Coronel Domiciano. Quando adolescente, enquanto tínhamos de esperar o horário do ônibus, a gente se juntava, via quanto de dinheiro tinha e comprava tudo em pães, na venda do Maciel. Gente nova é esganada! Na época já era o seu filho quem comandava tudo. Atualmente, o seu neto Beto mantém uma padaria pequena, mas admirável na rua Conceição. Ou seja, segue a tradição do avô, um homem que poucas vezes foi passado para trás. 


       Idalina Graça, "alguém que não estudou, não conheceu autores, e que conseguiu escrever dois livros, palavra por palavra, juntando-as para formar sentenças, frases, episódios, de forma escorreita, assimilável e amiga", no dizer de Willy Aureli, nos conta sobre o Maciel:


      Pela manhã, quando despertei estava calma. A primeira pessoa que encontrei  na rua foi Francisco Maciel Leite, o mais dinâmico homem que conheci na vida. Paramos e trocamos ideias sobre o passado em confronto com o presente. E como eu o chamasse de esperto, ele sorriu dizendo:

     - Mas já encontrei alguém mais esperto que eu. E como eu duvidasse, ele continuou:

     - Vou contar a você um caso que se deu comigo. É verídico. Era bem moço quando, viajando de Ubatuba para Santos, em canoa de voga, fui tapeado por um dos rapazes da tripulação. Levava a bordo um carregamento de frangos. Ora, você conhece o nosso sistema praiano de cozinhar a refeição que, geralmente é feijão e carne seca, sobre uma tripeça. Era o que usávamos no barco. Atrás desse fogo improvisado estava o jacá de frangos. Lá na popa, eu quase nada via do que se passava na proa, por causa da fumaça que vinha daquele lado; os frangos começaram a morrer. Eu mandava o cozinheiro jogá-lo fora, mas nada disso o rapaz fazia. Dizia não ter nojo, e na hora do almoço, enquanto eu comia o triste jabá, ele e mais três companheiros saboreavam galinha. Um dia brigaram. E palavra vem, palavra vai, diz um deles: "Você pensa que sou da sua igualha? Está cansado de comer frango, porque quando o coitado, com sede, põe o bico de fora, você aperta e depois engana o seo Maciel dizendo que o bicho morreu de fumaça!". Como vê, Idalina, já encontrei na vida alguém mais esperto!

      Chico Maciel, possuidor de grande inteligência e negociante abastado em Ubatuba, já ia longe e eu ria e pensava: - Como é formidável esse caiçara de excelente humor, simpático, capaz de negociar até com as estrelas do céu de Iperoig.

Avenida Iperoig - 1972 - (Arquivo JRS)

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