RIVAL DE SI MESMO

Fêmea de arcaide (Arquivo JRS)

     Da sala de casa, na leitura, escutei uma fala de passarinho que é agora, nos últimos tempos, esporádico no nosso quintal. "É arcaide. Antes, quando o pé de urtiga carregava de frutinhas, esse passarinho era o primeiro a chegar. Pela festa que fazia, eu sabia que era tempo de urtigueira carregada e madura. Sempre houve bastante por aqui, mas ultimamente se tornou raro. A fêmea é amarela pardacenta; o macho tem marrom e preto brilhante, com uma ponta de asa amarela. Adoram banana também. Por isso não é novidade encontrá-los entre saíras quando é verão e farta banana madura na região". Com estas palavras expliquei à minha filha Maria Eugênia. Em seguida ela saiu para tentar ver o emissor daquele chilreio inigualável, como se estivesse proseando em variados tons.

    Bem devagar, olhando na direção do som e procurando algum movimento, ela se foi. De repente eu a vejo voltar de costas, mais lentamente ainda para não fazer barulho algum e colocando o dedo indicador esticado diante da boca, pedindo silêncio. Esperei ela chegar mais perto e escutei isto: "Vem ver pai, mas bem devagar, sem fazer barulho de forma alguma. O passarinho, uma fêmea de arcaide, está no espelho do carro, brigando com a própria imagem. Vem ver só!".

    De fato. A passarinha parecia zangada, bicava vez ou outra a própria imagem refletida. Expliquei a ela que não era a primeira vez. "Regularmente eles, passarinhos, se descobrem como rivais de si mesmos. Vê se consegue fotografar". A mariquita, outro passarinho que se encontra demais por aqui, tem costume igual. Já vi fazerem isso até em poça d'água. Engraçado, né? Pensei nas pessoas fazendo seus exercícios diante das paredes espelhadas das academias, parando diante de vitrines de lojas para apreciar o próprio visual, se detendo ao lado de uma moto para dar uma olhada no espelho retrovisor etc. Só não presenciei ainda alguém dando murros e cabeçadas nele mesmo através do espelho. Mas pode ser que tenha, ué! Vai saber!