sábado, 25 de fevereiro de 2012

Canoa caiçara


            Hoje, com a gentileza do caiçara Eduardo Souza e do Luiz Moura (O guaruçá), faço questão de apresentar este belo texto  sobre a canoa caiçara. Aos dois, os meus sinceros agradecimentos e um grande abraço. Em tempo: não consegui anexar a imagem do Ubatuba Víbora. Ainda bem que o Júlio Mendes tem muitas imagens de canoas (e todas são belas!).
         Talvez pela simplicidade, talvez por ser primitiva - neste mundo ansioso de novidades tecnológicas, confortáveis e fugazes -, a canoa é para mim algo belo, uma obra de arte. Fui levado a  refletir sobre o tema ao deitar os olhos na foto da canoa que encima as    páginas do Ubatuba   Víbora, do amigo Sidney Borges. A canoa   em terra, na areia da praia, solitária, à espera do dono e, diante de si, o mar... Belíssima foto!
         Tenho um depoimento do Baeco, fazedor de canoas. É um  artista. Eis trechos do que ele diz: “A construção de canoa começa pela    escolha da melhor madeira, mas a famosa mesmo é o Cedro. Depois vem a  Timbuíba, o Ingá, o Bracuí... o Loro, o Guapuruvu e o Angelim. O Angelim  tem três tipos: Angelim Amargoso, Angelim Gisara e o Angelim Pedra. Estas   três são boas pra canoa. Esta é a madeira que a gente garante.” (...)   ”Madeira a gente escolhe a lua, sim; agora, não precisa ser uma minguante  de inverno; qualquer minguante é boa.” (...) ”A gente sabe a árvore que  vai dar boa canoa no olho, primeiro o olho... Você bate o olho, vai, erra   centímetros, e o tamanho é a boca da canoa” (...) ”O comprimento a gente  se baseia na boca, na largura da boca, tá? Normalmente é sete vezes um,  sete por uma. Sete vezes a largura da boca é o comprimento da canoa.”   (...) ”Se ela, por exemplo, tem sessenta centímetros de boca, sete vezes  seis quarenta e dois, então a canoa normalmente vai ter quatro metros e  vinte centímetros.” (...) ”Pra medir no mato a gente tem uma mania: põe  uma vara em direção à árvore antes do corte e aí sai com exatidão. A gente  põe a vara lá na direção que vai ser o meio da canoa, e olha de longe e  calcula. Porque tem a posição da boca, porque olhando na árvore você vê o  lado melhor para a boca. Você olha tem um lado que é ‘selado’ e tem o  outro que é mais ‘jeitoso’ para fazer a boca da canoa. A gente mede  naquele lado. Com a vara faz uma cruz. Um olha de longe e vê o que está  sobrando. Você vê com exatidão, porque a madeira é roliça. O outro, de   longe, olha, aí você empurra pra lá, empurra pra cá, até saber o centro  direitinho. Aí tira a grossura da casca, tira um pinguinho menos, e você tira o tamanho certo; aí sai exato, centímetro certo...”
          O homem vê na árvore a canoa e, então, a transforma. O que  era uma árvore, um Angelim no meio da mata, transforma-se, vira utensílio,  instrumento, humaniza-se, torna-se mundo. A intimidade do homem com a canoa, que se torna extensão de seu corpo, de sua alma, que participa de  sua história. Quando na solidão do mar, em terra, a mulher, os filhos, os amigos esperam que ela não falhe em trazer de volta o pescador que a  navega, e a canoa, então, encarna a esperança. É ela que faz com que o mar, enquanto dificuldade, obstáculo, desafio, se torne possibilidade e  colabore também na formação do modo-de-ser caiçara desse homem.
           Na vida da maioria dos ubatubanos não há pelo menos uma  história em que não esteja presente uma canoa. Nos meus tempos de  infância, ela servia como veículo (além do uso na pesca) de transporte  corriqueiro para os caiçaras do norte e do sul do município. A canoa é também fazedora de reminiscência. Tenho na memória duas canoas: a Mirim  (acho que já escrevi sobre ela aqui no O Guaruçá), que  meu pai me deu de presente bem antes de eu aprender a andar. Uma pequena  canoa de guapuruvu. Arisca que só ela. Boa parte de minha infância e  adolescência foi a bordo dessa canoinha, subindo e descendo o rio Grande  da cidade. A outra, uma velha canoa, era a que meu pai, juntamente com  alguns amigos dele, nos finais de semana, me levava para pescar com rede de arrasto na baía da cidade, na Praia do Cruzeiro. Ia na proa, deitando a  rede ao mar aos poucos, sincronizado à velocidade da canoa. Meu velho, na  popa, remava. Lançada a rede, em semicírculo, retornávamos à praia onde já  nos esperavam para começar a puxada da rede com cordas feitas de imbé.   Quando terminava a pescaria, subíamos a canoa, rolando-a sobre tocos de madeira até o rancho onde ela permaneceria esperando o próximo final de  semana. Era pesca de lazer para meu pai e seus amigos. Para mim, sair de canoa com meu pai, momentos mágicos, inesquecíveis. Lembrar de uma canoa é também lembrar-me do meu velho, meu primeiro e maior amigo. Que Deus o tenha.

 Nota do   Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto é caiçara, 60, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba       et orbi.

2 comentários:

  1. Gosto de pesquisar sobre a história da canoa Caiçara e até consegui comprar um belo exemplar, que mede 70 X 4,70, de Garapuvu, esta equipada com um motor a gasolina 5HP, rapidinho que só vendo. Ela é a atração da comunidade de pescadores de Governador Celso Ramos/SC, conhecido também por Ganchos, onde lá adquiri um ranchinho de pescador e ela fica guardada e segura. Naquela comunidade este tipo de embarcação não é muito comum, por isso, onde eu encosto na praia vira a atração. Eu curto muito quando estou navegando minha Caiçara, que além de ser prazeroso, ajudo a manter viva a história. Julio Cesar Duarte - Itajaí/SC.

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  2. Muito bacana este seu texto, alías acompanho todos, pois relembram o tempo antigo o que me interessa demais. parabéns!

    Peter
    http://www.youtube.com/user/canoacaicara
    http://canoadepau.blogspot.com.br/

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