Lá longe está a ilha da Vitória. |
Tenho o prazer de apresentar aos leitores o texto completo da Maria Cruz, de onde extraí uma parte para justificar o texto anterior (Contraponto). A autora, caiçara do Sapê, sempre foi muito engajada nas questões da cultura caiçara e nos problemas da região Sul do município de Ubatuba.
"Aqui, na praia da Maranduba, Anchieta também escrevia versos de seu famoso Poema á Virgem. O local, de acordo com a tradição, ficava à direita da cruz, para quem olha para o mar em direção da ilha do Mar Virado. Estando molhada ou seca, é praia de areia fácil de escrever. Por isso fica fácil crer na tradição.
No mesmo lugar onde hoje há um cruzeiro como lembrança, centenário a se perpetuar, é o marco da passagem dele por aquele ponto. Era onde adentrava no jundu e tinha seu ponto de pousada por ali mesmo, na mesma direção do cruzeiro. Foi onde ele montou seu pousio. No mesmo lugar rezava a missa cotidiana e obrigatória de sua fé.
Na vivência e lembrança dos antigos caiçaras, o primeiro cruzeiro foi erguido pelo padre jesuíta que eles nem sabiam quem era. Eis a informação que recebemos da tradição e mantemos até hoje: “era um padre que escrevia nas areias da praia”.
Seguindo a fé e religião de seus antepassados, o cruzeiro foi sempre preservado ou novamente reconstruído, continuando, ainda, como um marco do acontecido, de uma história já esmaecida no tempo.
O repouso do padre, certamente uma palhoça de pau a pique, era ali. Portanto, também seu oratório, onde rezava sua missa cotidiana obrigatória naqueles tempos, sob aquele chão se assentava.
Depois, uma capelinha foi erguida no lugar onde souberam existir as rezas do padre. Passou a ser o lugar sagrado, onde aconteciam as rezas do povoado, as festas de seus santos, as ladainhas cantadas em latim pelos mais velhos.
De onde viera aquele latim, evocado na lembrança dos que vieram; depois passado a seus descendentes, principalmente aos Amorim que eram rezadores?
Um desmatado terreiro ao redor da capelinha, dava espaço ao povo que vinha às rezas daquela época. Aquele mesmo espaço, livre de mato que circundava a capelinha, continua hoje com o nome de Praça Santa Cruz. Em seu lugar está instalado o ponto de ônibus, no centro comercial do Sapé.
Igualmente, a capela atual , embora em outro local (explicaremos o porquê), como a primeira , continua com a denominação de Capela de Santa Cruz do Sapê. Os caiçaras centenários moravam todos na planície.
No Porto da Cruz, lado norte do cruzeiro fica o Sapê, moravam as famílias: Oliveira, Amorim, Carlota e outras mais. Ao sul, a alguns metros além da cruz, ia-se para a Barra. Era onde morava D. Judite, que ficou com o que era do finado Chico Amorim.
Depois do rio Maranduba, ficavam outras famílias: dos Félix (Rosalina), Tabatinga , depois seu filho Alcides, Apolinário, os Amorim (que era uma familia grande), assim como os Oliveira, que tinham ramos por todo o espaço da Baía do Mar Virado e até além dela.
Limites de Sapé e Maranduba
A fazenda Brejain Mirinduba, que tinha sua sede, segundo diziam os antigos, aos pés do morro da Maranduba, se estendia por uma grande extensão de terras, tendo como divisa, o terreno dos Oliveira, ao Norte, porque estes tinham título de sua propriedade. Esta fazenda foi a leilão no Rio de Janeiro, onde alguns turcos a arremataram e, mais tarde, implantaram um loteamento, o Balneário Maranduba, passando então, todo este espaço que fazia divisa com os Oliveira, a ser chamado Maranduba, desaparecendo o termo Barra como denominação de lugar conhecido antes do Rio Grande. Ainda hoje existe a casa grande do armazém da família Francisco Amorim, que era homem de muitas posses, pessoa importante naquela época, que fazia parte da elite do município de Ubatuba, onde eram influentes na política local, tendo sido um deles, prefeito da cidade, segundo sua filha Estefania, que morou seus últimos anos de vida , há pouco tempo, na Maranduba.
Antigamente e até o meu tempo de criança, quando alguém queria ia para o lado do sul, dizia “Vou à Barra”. E sabíamos que ia para o lado do sul , ou, além do Rio Grande, na Maranduba.
O rio não era conhecido por Rio Maranduba mas sim, Rio Grande, desde sua nascente no Sertão do Damião, hoje Sertão do Meio, cachoeira da Renata. Na época de Damião, conhecia -se o rio, além da casa do mesmo , como um lugar de “encante” que tinha ouro, nas redondezas do Poço Verde. Naquele tempo havia assombrações. O morro do Foge que praticamente separa o sertão da praia,era mal assombrado. Talvez por isto, na época da aparição da Santa, no Sertão da Quina, muitos sacis apareceram por aquelas bandas e acompanhavam a procissão pelo mato e deixando-se serem vistos, eram mortos pela população a pauladas. Agora as coisas mudaram. Por causa do loteamento a Maranduba virou nome principal, engolindo a Barra e quase também o Sapê.
As pessoas de um determinado tempo para cá, que não conhecerem a história do lugar, mudaram até o nome do rio que hoje é conhecido por Rio Maranduba.
Quando criança, íamos todas as tardes de verão, tomar banho no Rio Grande, aqui próximo, num lugar chamado passagem do Zacarias, mais ou menos próximo a bifurcação da rua que adentra ao loteamento Maranduba. Hoje este nome não existe mais, somente os mais antigos o sabem.
Caiçaras antigos , tinham uma grande área de terra no Sapé, pertencente à família Oliveira, representado por Nestor Zózimo de Oliveira e seus outros parentes. Um deles, Jonas , seu sobrinho, vendeu um pedaço desta terra para o Sr. João Pimenta, atrás do terreno onde ficava a igrejinha. Aquele tempo as divisas não eram muito respeitadas e acabou que, João Pimenta, que era incrédulo, segundo os antigos, e não gostasse da capela que ficava à frente de seu comércio de secos e molhados que havia montado na frente de seu terreno, acabou se apossando da parte onde ficava a igrejinha e mandou demoli-la na época em que foram feitas os estudos para a implantação da rodovia que hoje aí está ligando Ubatuba a Caraguá. Algumas pessoas antigas diziam que chegou a receber certo valor , pagos na época pelo DER, no que incrementou muito seu comércio.
Sem a sua capelinha, os caiçaras não ficavam, e,a família Oliveira, como todos os outros de sua época, muitos católicos, novamente cederam outra parte de terreno, nas proximidades da antiga e outra capela novamente foi erguida, conservando o mesmo nome da padroeira do lugar, Santa Cruz do Sapê. O nome foi mantido; permanece até hoje.
Há pouco tempo, o pároco local desativou a capela, e, ficando o espaço ocioso, pensou em vender o imóvel. Remanescentes dos antigos caiçaras resistiram à ideia com a alegação de que ela representava a memória e a história viva do lugar. Juntos venceram a ideia do pároco: a pequena capela não foi vendida. Mais tarde, já sob a responsabilidade de outro pároco que entendeu os argumentos sensatos da comunidade, novamente a reabriu. Hoje, a velha capela, depois de uma pequena reforma, serve a esta comunidade (Sapê/Maranduba) e a todos que por aqui passam temporadas de verão. É muito concorrida, embora outra igreja tenha sido erguida, dentro do loteamento Maranduba que havia destinado uma área para esta finalidade".
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