domingo, 17 de novembro de 2019

PITIRÃO NA PRAIA


Imagens do pitirão

            O dia amanheceu lindo, com uma claridade esfuziante. É dia de pitirão. A caiçarada e os novos caiçaras, adeptos da nossa cultura, foram convidados para o embarreamento do Rancho Caiçara, na praia do Perequê-açu. Bem-vindos! 

        Cheguei cedo, mas o Rochinha e o Tião já começavam a transportar o barro, a ocupar o espaço de masseira. Logo foi chegando todo o nosso pessoal, homens, mulheres e crianças. Molhar barro, sovar bem com os pés, molhar, sovar de novo e perceber o ponto ideal para embarrear, quando todo mundo mete a mão no barro para preencher os vãos do pau a pique. Que festa! As histórias e os causos não podem faltar em ocasião assim. No mesmo ritmo da odisseia do barro, algumas pessoas vão preparando o de comê. Até batata-doce foi assada junto com as carnes. A consertada era farta. Da minha parte, na garrafa de azeite, deixei a pinga com cambuci, em homenagem ao grande líder. A Roberto e Ostinho, recomendei: “Cuidem da ‘criança’, viu!”.

           O pitirão que mais marcou a minha vida foi na nossa casa, no morro da Fortaleza. Lá, onde debaixo da aroeira do terreiro, nós avistávamos todo o mar da baía e de mais longe, onde os navios passavam soltando grossos rolos de fumaça. Naquele dia distante, veio gente até da praia Grande do Bonete, mostra da grande irmandade caiçara. Tal como se repetiu no Rancho Caiçara, logo a grande tarefa estava pronta. Antes mesmo do fim já tinha peixe assado, café, farinha e cachaça. E muitas histórias, lógico! Foi quando o Artelino Flor contou o seguinte fato ocorrido num pitirão:

          “Já faz tempo que aconteceu isso, nem foi aqui, mas na minha terra, em Pernambuco. No dia, bem cedo, todo mundo estava com muita disposição para o pitirão na casa do Dinho Piquiá. O pessoal nem quis esperar o café de tanta afobação. Ainda precisava os últimos acertos para que todos se envolvessem. Um amarradilho aqui, um prego acolá… Até o enripamento ainda estava por acabar. Eu e mais dois subimos para este trabalho. Uma hora depois, Eva, a mulher do Dinho veio chamar todo mundo para o café. 'Venham que tá na mesa'. Notando que o pessoal do telhado estava demorando, o anfitrião gritou: ‘Desçam. Venham logo! Venham tomar o café que a Eva coou!’. Aí, os três retardatários, rindo demais, disseram do telhado: ‘Quem evacuou? Então nós não fazemos questão!’”.

        O papai, sossegou o Artelino, fingindo-se de zangado: “Aqui ninguém evacuou em nada, né pessoal? A ordem antiga, mas que tá valendo ainda é: quer cagar vai pro mato, no monturo”.

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