quinta-feira, 14 de novembro de 2019

O ASFALTO DÁ, O ASFALTO TIRA

Chove, faz brotar coisas boas (Arquivo JRS)


O amigo Dito, morador de muitos anos na área do Sertão da Quina, adotado pelo povo dali, faz observações interessantes após a chegada do asfalto no local.

      Nós éramos felizes e são sabíamos é a conclusão que eu cheguei após ponderar sobre o antes e o após o asfalto no bairro do Sertão da Quina.
         Muito embora eu não more em rua asfaltada, nem tampouco iluminada, faço uso de algumas que receberam tais benefícios. Analisando o antes e o depois, cheguei à conclusão que o custo supera o benefício, de longe, de muito longe!
        Em primeiro lugar, as nossas ruas não têm largura apropriada para serem asfaltadas. Segundo: as pessoas por acharem que o asfalto iria valorizar suas propriedades, aproveitaram até o último centímetro de terreno. Terceiro: a falta de consciência das pessoas que acham que o automóvel é para tudo e em todas as horas. Parece exagero alguém falar que existe hora de rush no Sertão. Quem quiser ver é só ficar entre o campo de futebol do bairro e a esquina do Moisés. Outra coisa que tem me causado espanto é o fato de que os caiçaras natos agora evitam sair às ruas, mas não sei se conscientes ou não. Cheguei a essa conclusão há algum tempo, pois ao cumprimentar as pessoas, ela vêm com a seguinte frase: “Você anda sumido”. Como, se eu vou no Sertão todos os dias!? A verdade é que as pessoas não se deram conta que o progresso esperado não deu o resultado esperado. Outra coisa notória é a qualidade do nosso asfalto: coisa triste!
           Há quem possa dizer: “Você diz isso porque não tem carro”. Então é preciso ter carro para saber o que está certo ou errado?!? Então, vamos dividir o mundo entre os que têm carros e os que não têm carros?
         Embora não existam verdades absolutas, o que se vê e o que se sente é que a tendência é piorar. A cada dia que passa, vê-se mais carros e mais motos (substitutos não naturais das pernas). Então vêm as mudanças de comportamentos, principalmente dos jovens que não usam os veículos para se locomoverem (o que seria o mais lógico). Ao invés disso, fazem verdadeiras arruaças noite adentro, principalmente nos fins de semana.
        Mudanças de hábitos é o que mais se vê depois do asfalto: gente que andava alguns quilômetros, hoje não anda metros a pé. Hoje, até os buracos são diferentes: os do asfalto são mais difíceis de consertar, aumentam mais rápido. E ainda: quem se desvia deles corre o risco de colisão.
         Saudade é a única palavra que cabe quando me lembro de antes do asfalto. Talvez um dia eu tenha um carro (incoerência?) para ir mais longe. No sertão é tudo perto.
         O asfalto diminui o tempo da distância a ser percorrida, porém aumenta a distância entre as pessoas.

Para refletir: Queria ter o que tinha quando queria ter o que tenho agora.
                                                     Benedito Evangelista Filho (Galo)

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