Sapo esperto (Arquivo JRS) |
Eu
já contei que os sapos abundavam na minha infância? É, tinha
bastante, numa diversidade fantástica! O motivo: existia muitas
gamboas, vargens e lagoas. Era fartura de água. No Sapê,
onde nasci, divisando com o terreiro do Leôncio havia um brejo
lindo, com caxetas enormes. Atrás da casa do Nié tinha outro, onde
a mana Ana ganhou um cobreiro depois de pisar numa intanha
apodrecida. Entre a nossa casa e a do Jonas era uma só gamboa, a
minha preferida. Assim que começava a chover, eu escapulia para
apreciar o espetáculo: sapos de todos os tamanhos, de todas as
cores, de todas as toadas. A intanha, por exemplo, chorava como uma
criança, a nimbuia fazia a voz grave do coral. Guimarães Rosa
escreveu:
No
brejo, os sapos coaxam agora uma história complicadíssima, de um
sapo velho, sapo-rei de todos os sapos, morrendo e propondo o
testamento à saparia maluca, enquanto que, como todo sapo nobre,
ficava assentado, montando guarda ao próprio ventre.
-
Quando eu morrer, quem é que fica com os meus filhos?
-
Eu não... Eu não! Eu não!… Eu não!…
-
Quando eu morrer, quem é que fica com a minha mulher?
-
É eu! É eu! É eu! É eu!
Pois
é, o mundo dos sapos é inspirador. Vovó Eugênia contava dos dois
espertos penetras (sapo e jabuti) que foram numa festa no céu.
Aproveitaram bem, mas foram descobertos pelo chefão de lá. Veio
castigo: o jabuti foi o primeiro a ser jogado para baixo, caiu numa
pedra e ficou em cacos. Por isso que ele tem o casco todo remendado.
Já o sapo, ladino como só, suplicou para que não fosse lançado na
água, onde morreria. Imagina só! Que estratégia! Veio para baixo, em direção de
uma grande gamboa e saiu feliz da vida. Esperto que só!
Tia
Iaiá (Maria da Barra), sábia mulher num corpinho tão frágil,
certa manhã ensinou uma lição dos sapos: “Ontem, no serão,
na lagoa do Nofre, as nimbuias estavam assanhadas antes mesmo da
grande Lua. Se preparem de hoje pra amanhã; é vento forte chegando.
Nem pensar de baixar canoa na praia”. De fato, no amanhecer do
dia seguinte, o bananal nas terras do velho João Bento estava
deitado, duas amendoeiras se desprenderam no jundu com raiz e tudo,
mas nenhuma casa foi estragada. “Milagre, meu filho!”.
Quando eu contei isso para o tio Marcelino, ele apresentou a seguinte
moral imoral: “Casamento a pique é quando o homem
está engolindo sapo em vez de comer perereca”.
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