terça-feira, 26 de novembro de 2019

ENGOLIR SAPO OU….

Sapo esperto (Arquivo JRS)


       Eu já contei que os sapos abundavam na minha infância? É, tinha bastante, numa diversidade fantástica! O motivo: existia muitas gamboas, vargens e lagoas. Era fartura de água. No Sapê, onde nasci, divisando com o terreiro do Leôncio havia um brejo lindo, com caxetas enormes. Atrás da casa do Nié tinha outro, onde a mana Ana ganhou um cobreiro depois de pisar numa intanha apodrecida. Entre a nossa casa e a do Jonas era uma só gamboa, a minha preferida. Assim que começava a chover, eu escapulia para apreciar o espetáculo: sapos de todos os tamanhos, de todas as cores, de todas as toadas. A intanha, por exemplo, chorava como uma criança, a nimbuia fazia a voz grave do coral. Guimarães Rosa escreveu:

     No brejo, os sapos coaxam agora uma história complicadíssima, de um sapo velho, sapo-rei de todos os sapos, morrendo e propondo o testamento à saparia maluca, enquanto que, como todo sapo nobre, ficava assentado, montando guarda ao próprio ventre.
- Quando eu morrer, quem é que fica com os meus filhos?
- Eu não... Eu não! Eu não!… Eu não!…
- Quando eu morrer, quem é que fica com a minha mulher?
- É eu! É eu! É eu! É eu!

         Pois é, o mundo dos sapos é inspirador. Vovó Eugênia contava dos dois espertos penetras (sapo e jabuti) que foram numa festa no céu. Aproveitaram bem, mas foram descobertos pelo chefão de lá. Veio castigo: o jabuti foi o primeiro a ser jogado para baixo, caiu numa pedra e ficou em cacos. Por isso que ele tem o casco todo remendado. Já o sapo, ladino como só, suplicou para que não fosse lançado na água, onde morreria. Imagina só! Que estratégia! Veio para baixo, em direção de uma grande gamboa e saiu feliz da vida. Esperto que só!

         Tia Iaiá (Maria da Barra), sábia mulher num corpinho tão frágil, certa manhã ensinou uma lição dos sapos: “Ontem, no serão, na lagoa do Nofre, as nimbuias estavam assanhadas antes mesmo da grande Lua. Se preparem de hoje pra amanhã; é vento forte chegando. Nem pensar de baixar canoa na praia”. De fato, no amanhecer do dia seguinte, o bananal nas terras do velho João Bento estava deitado, duas amendoeiras se desprenderam no jundu com raiz e tudo, mas nenhuma casa foi estragada. “Milagre, meu filho!”. Quando eu contei isso para o tio Marcelino, ele apresentou a seguinte moral imoral: “Casamento a pique é quando o homem está engolindo sapo em vez de comer perereca”.

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