Em Brumadinho, antes da tragédia (arquivo JRS) |
Quando
eu era criança, conforme disse em outras ocasiões, o espaço
caiçara era bem diferente do de hoje. Eram poucas as cercas
entre as posses; os terreiros estavam acessíveis a todos, bem
varridos, floridos e sombreados; os caminhos eram abertos a todos e os espaços eram públicos. Os
bens eram repartidos entre nós. A modernidade hoje, se
apossando de discursos de ódio, maquinando mentiras a partir de
particularidades históricas localizadas, nega e combate os valores comunitários. O que importa é a cobiça, as conquistas
individuais, o vencer a todo custo. “Ah! Nossos antigos estão
superados, eram atrasados, não pensavam no futuro! Se fosse hoje,
eles cairiam nessa moda de comunismo!”.
Pois
é! Eles cairiam sim! Na verdade, os nossos antigos, no sentido
etimológico do termo, eram comunistas, pois tudo era repartido por
todos. Papai e mamãe, dentro da rotina comunitária, após uma caçada
ou uma pescaria farta, despachava os filhos com quinhões a serem
distribuídos nos arredores. É o chamado comunismo primitivo. Jesus Cristo, se acreditarmos nas narrações evangélicas, recomendou ao
jovem rico, que almejava o paraíso, a repartir com os pobres os seus
bens. Em outra passagem, na primeira comunidade cristã é conhecido
o episódio do casal (Ananias e Safira) que acumulava, deixando de
repartir como era praxe, e, no final, morreram para a comunidade.
Tudo isso está para comunismo ou capitalismo? Mas tem um monte de
gente, inclusive “cristãos”, parentes meus "crentes da Palavra
Sagrada e da fila semanal da hóstia", condenados às exigências expoliativas, defensores de
princípios individualistas que cultivam o
ideal parasita. Ou seja, o trabalho é uma maldição; por isso
“tenho de ficar rico, não trabalhar mais e só viver de
rendas”. São cristãos assim que, empunhando uma Bíblia, dão
golpes políticos, apoiam quem persegue as minorias em nome de uma elite, de uns
poucos privilegiados neste mundo.
A
chave principal para repensar nosso mundo é a palavra. Ela cria e
destrói modelos, alinha e desalinha utopias, revela heróis e
heroínas passando pelo martírio, mas nem sempre se tornando santos
e santas etc. Mas isso não me importa! O que me interessa é a
memória, as lutas dessas pessoas em favor da vida em sua maior
amplidão possível. Já li isto acerca do Cristo que tantos
defendem: “Eu vim para que todos tenham vida”. Todos! Todos não
significa somente alguns! Quer mensagem mais comunista?
A
palavra mantém a memória. Os comandos contraditórios que vivem
parasitando a nossa gente têm a função principal de apagar a
memória do valor comunitário. Dentre outros modelos, relembro da Árvore do Esquecimento
e de seu ritual antes dos embarques dos negros destinados a serem
escravos em outras terras distantes do mundo africano, numa relação
parasítica. Agora, em tempo de reflexão da nossa identidade brasileira, recomendo um
documentário de anos atrás: A rota dos orixás. E concluo: a chave
da palavra deve atuar na fechadura da vida, romper a relação parasítica tão
atualizada e remasterizada pelos recursos de última geração. A palavra deve gerar vida em vez de destilar ódio!
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