Fandango no Prumirim (Arte: Estevan) |
“No
bate-pé, pra essas bandas, ainda não apareceu ninguém
que superasse o Antônio Neves, da praia Grande”. Quem me
contou isso um dia foi o Dário Barreto, da Fortaleza, mas muita gente
também repetia a mesma coisa quando o assunto era dança. Comecei
este texto assim porque, dias atrás, vi desembarcar do ônibus, no bairro Rio
da Prata, esse grande caiçara - um Mestre! - e sua esposa Isabel, afilhada da
mamãe. Estão idosos, já lentos em seus passos, mas tão honrados
como sempre foram, transmitindo uma paz como pouca gente consegue.
Como amo essa gente!
O
Neves, conforme chamava o Velho Peralta, nascido na Grande do Bonete,
casou-se com Isabel, da Sete Fontes. Gente da pesca e das festas!
Caiçaras ligados ao mar de verdade! Ah! Como subiram e desceram
morros esses dois! Quem conhece a praia das Sete Fontes, indo pelo
caminho desde o Saco da Ribeira, saberá muito bem a que me refiro
(sobretudo em tempo chuvoso, quando o barro vermelho fica liso como
sabão).
Dançar
sempre foi uma paixão dos caiçaras. Não se passava uma semana sem
função: na entrada era chiba, depois a marrafa e as
miudezas (ciranda, cana-verde…). O conjunto, que hoje também é
chamado de Fandango, era o Bate-pé. Tamancos se arrebentavam se não
fossem bons. “Muitos preferiam o pau de laranjeira para fazer
seus tamancos, mas o Antônio só usava aroeira ou cabiúna. Nunca vi
um tamanco dele se partir no meio do bate-pé. Nunca fez feio
no assoalhado”, conforme o
saudoso Dário. “E a dama tinha de ser boa na dança, ter
muita resistência para ser a parceira do Antônio Neves. Ele cansou
de vencer os outros: só parava depois de todos já estarem sentados
em bancos, quando o Sol já estava por cima do Mar Virado”.
Outras falas do mesmo teor, cheias de admiração, dão a entender o
dançarino que foi o estimado Antônio Neves. "Foi mestre mesmo!".
E eu parei para apreciar aquele casal querido, indo pela beira
do caminho, um atrás do outro, com algumas sacolinhas de compras. Me
emocionei pensando em seus parentes, no lugar onde fizeram tanto por
todos nós, onde tantas prosas boas tive o prazer de compartilhar com
os dois. Seus passos lentos, cuidadosos com os buracos, carrapichos,
pontas de criciúmas e arranha-gatos. "Daqui a pouco alcançam a segurança do
lar, do terreiro bem cuidado". Em seguida continuei meu caminho, cantarolando o
findar de uma das nossas músicas:
Minha gente me desculpa
Minha gente me desculpa
Me queira me desculpar
Remando nesta canoa
Me queira me desculpar
Na rima deste meu verso
Viola já vai parar.
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