domingo, 1 de fevereiro de 2015

ECOS DA FALA CAIÇARA


Secagem de peixe no terreiro (Foto de Nícia Guerriero, conforme informação de Túlio Parodi).


Na página do amigo Pedro Caetano, de Caraguatatuba, onde foi reproduzido o depoimento do saudoso Pedro Cabral Barbosa (texto logo abaixo, na sequência), já publicado a um certo tempo por mim, li este comentário e achei legal dar a conhecer a mais gente. Boa leitura!

Coisas de Caiçara Conheci muito o Sr Pedro Cabral do Perequê-Mirim. Pai do Miguel Cabral, Nilo Cabral e Aurora Cabral. Não sei se tinha outros filhos. Aurora foi casada com Benedito Ciro dos Santos, muito conhecido no litoral norte, pois fez parte do lendário time do XV de Novembro de Caraguatatuba, junto com Xixo, Justo Arouca, João Paulo, Zé Pinto, entre outros. Depois trabalhou no DER, onde desenvolveu,paralelamente aos deveres de funcionário daquela autarquia, a parte esportiva, montando o Clube de futebol do DER, -ASDER-, em Ubatuba, que participou do primeiro campeonato de futebol daquela cidade em 1964 ou 1965, se não estou enganado. Em relação ao fato narrado, tudo perfeito. Claro que até em função da minha idade, posso falar algo tendo como referência inicial a revolta do presos, que aconteceu em junho ou julho de 1952. Das pessoas mencionadas, Francisco Maciel Leite, pai do Altino Maciel, homem de fala mansa, realmente ganhou muito dinheiro com a abertura da Colônia correcional da Ilha das Palmas. Era assim que se chamava o Presídio da Ilha Anchieta. João Glorioso, um dos maiores pescadores que conheci. Homem de muita garra. Dizia ser filho bastardo de Theotino Tibiriçá Pimenta. Realmente tinha muita tralha de rede de tainha em seu rancho no Saco da Ribeira. Sua filha, Dona Esmerânia, ainda é viva. Conheci tambem o Cabo Xavier, que ficou tomando conta da Ilha, pós revolta. O peixe que seu Pedro Cabral fala, "troiamo de montão, teve cardume, que de tão grande...", tenho quase certeza,- embora tenham outros peixes de "meia-água", tais como, carapau, enchova, cavala, que fazem o mesmo escarcéu no escuro-, que o peixe a que seu Pedro Cabral faz referência, que precisou emendar a rede dele do Seu João Glorioso e do Seu Cristóvão das Toninhas, era tainha. Entrava muita do Ilhote de Sul pra dentro da Enseada. Um abraço grande em todos caiçaras


FALA CAIÇARA....Lembranças dos tempos d’antes

            “Bem piquininho eu já ia com o papai pescá. E não tinha percisão de í muito longe pra mode pegá pexe. A maió lonjura que trago na lembrança é da Ilha Anchieta, da época que ainda se chamava de Ilha dos Porcos, quando nem tinha serventia de prisão. Não sei quanta casa egistia, mais era bastante. Moravam iguar os do Búzo, sem medo de morro caí na cabeça. Arguma casa já era de telha.
            Morava muita gente naquelas banda. Os mais velho ripitia sempre que vivê em ilha tinha arguns ganho. Lá não tinha saúba pra mode istragá mandioca. A terra era boa e dava de tudo. Purisso não era desperdiçada nenhuma badeja. Me alembro que de longe se avistava as coivara.
            Pexe era uma fartura pra tudo que é lado. A maió vantage de sê moradô da ilha é vê direto barco grande passando, apoitando no largo, comprando produto que os moradô oferecia. Tudo se negociava: daquilo que sobejava e daquilo que era só pra negociá mesmo.
            Direto, em quarquer casa, tinha farinha que pudia sê negociada. Também se curtivava pimenta, cará, banana... Mais o que os barco mais comprava mesmo era todo o óleo de caçoa que tivesse: o tanto que tirasse era o tanto que vendia. Dizia que era usado em máquina pra mode não gastá peça.
            A mulherada também se esmerava na feitura de chapéu; se vendia toda trança de parma de brejaúba que tivesse feita. Desse modo elas negociava com peça de fazenda e mais coisa que carecesse.
            Dependendo da época, também tinha pra negociá: goiaba, araçá, bacate, cambucá, jaca, jabuticaba, grumixama, coco brejaúba, indaiá e pindoba, manacaru, laranja... Balaio, tipití, penera também tinha aceitação. Sempre sarvava situação.
            O que mais se vendia era pexe seco. Não me sai da lembrança o terrero de cada moradô com seu jirau inteirinho de pexe escalado se dorando, depois empilhado em grandes balaios entremeado de folha de bananeira seca. Isso carecia fazê pra mode mantê sempre arejado.
            Adespois, veio o governo e construiu aquilo tudo lá. E veio preso, muito preso. Daqui do Perequê, da Enseada, da Ribeira e doutros lugá tinha gente que trabalhava lá. O Chico Cruz, irmão do Antonio Julhião foi um deles, também tem o Bito Góis, o Rodorfo Barreto e tantos outro que é bem vivo, que você conhece. O Macié, do canto da Enseada, atendia a Ilha, fornecia mantimento, ganhô dinheiro com preso.
            Adespois veio a revorta que assustô todo mundo. O mundaréu de sordado surgiu da noite pro dia. Diz que um tantão de preso morreu, mais também teve falecido entre gente que trabalhava lá. Eu não sei o certo; nunca fui entremetido.    Logo acabaro com tudo. Agora só o Xavié toma conta daquilo; mais tudo é vazio, lugá mar-assombrado.
            Nesse tempo todo nóis sempre pescamo em vorta da ilha, troiamo de montão. Teve cardume que, de tão grande, foi perciso emendá a minha rede, a do João Glorioso e a do Cristóvão das Estoninhas. Era quantia e mais quantia de milheiro. Era muita fartura.”
Depoimento colhido de Pedro Cabral Barbosa (Perequê Mirim, 1970)
Texto: José Ronaldo 



6 comentários:

  1. Que beleza de relato Zé! Caiu como uma luva na minha pesquisa sobre a Ilha! Ah se não existissem pessoas como vc que sabem dar o valor merecido a tesouros inestimáveis como esse depoimento que nos permite voltar no tempo e "ver" o tempo dos antigo. Mais um teletransporte!

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  2. Realmente Zé Ronaldo ,este amigo que escreve este depoimento é um caiçara Nascido na fazenda da praia da mococa criado na praia do Lazado nosso Amigo Silvio Rangel Caiçara purão comedo de gunguito com banana verde! vede que beleza ? Arrela meu filho!

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  3. Peço que mencione o nome da fotógrafa Nicia Guerriero, autora do registro da imagem desta matéria. A referida imagem foi feita Boiçucanga no quintal do meu sogro e da minha sogra durante uma secagem de peixes ao final da década de 80 ou início de 90, e atualmente neste local se localiza a peixaria do meu cunhado.

    Estou compartilhando a matéria com a Nicia.

    Att. Túlio Parodi

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  4. Peço que mencione o nome da fotógrafa Nicia Guerriero, autora do registro da imagem desta matéria. A referida imagem foi feita Boiçucanga no quintal do meu sogro e da minha sogra durante uma secagem de peixes ao final da década de 80 ou início de 90, e atualmente neste local se localiza a peixaria do meu cunhado.

    Estou compartilhando a matéria com a Nicia.

    Att. Túlio Parodi

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