quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A DONA ANA, OS PÊSSEGOS E AS INSPIRAÇÕES

Frutas do meu terreiro (Arquivo JRS)
                       Olá, Guadix! Que prazer tê-lo seguindo o blog!

                Há muito tempo um amigo, craque em escrever, disse que a inspiração bem que pode ser equivalente à empolgação. “Mas não é mesmo, Zé? Não acontece com você isso: de olhar uma imagem, de escutar um som, ler um fragmento etc. e logo querer escrever algo?”. “É... tá certo. É assim mesmo!”.
                Agora, por exemplo, vendo a fotografia de alguém colhendo pêssegos, veio-me à mente uma situação vivida há muito tempo, por volta de 1970, na Praia do Perequê-mirim. Foi assim:
                A minha família não morava muito longe da casa do Velho Pedro Cabral, no jundu.  Por isso que, de vez em quando, passávamos pelo seu terreiro bem do nosso jeito, cheio de árvores frutíferas e de galinhas. Eu, na verdade, sempre esperava um agrado da Dona Ana, sua esposa. Criança é assim, né? Principalmente em época de pêssego amadurecendo, eu passava mais frequentemente. É que a bondosa senhora tinha uma dedicação especial a essa fruta. Era impossível de não se encantar pela sua maravilhosa produção. Como ela conseguia aquela proeza?

                Hoje eu deduzo o “mistério”. Primeiro: toda a varredura do terreiro era para a cepa do pessegueiro; segundo: fazia poda e limpeza com muito esmero; terceiro: ensacava fruto por fruto desde pequenininho. Nesta tarefa, vale detalhar: cortava os panos, costurava (com ajuda da Luzita do Nilo) e ensacava com cuidado cada fruto, quando ainda parecia uma bolinha de veludo verde.
                Dias atrás, conversando com a Luzita, minha comadre, ela se recordou: “A Dona Ana cortava os panos e dividia comigo a tarefa da costura. Era à noite que eu fazia o trabalho. No dia seguinte a gente se encontrava e via quem tinha costurado mais sacos. Depois era só completar o trabalho, ou seja, acabar de costurar rente ao caule da fruta. Você acredita, Zezinho, que alguns cresciam tanto que  parecia querer rasgar o pano? Ah! Que delícia aqueles pêssegos vermelhos-alaranjados!”. Eu confesso que, ao menos em Ubatuba, nunca mais me deliciei com tão lindos e suculentos frutos.

                Era assim: o caiçara tinha a natureza como guia. Bastava observá-la e consultá-la para alcançar a razão de viver. Os frutos vinham como consequência de não se desviar dela e das suas  leis. Coisa boa, né?

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