Antônio de Jesus em dois momentos históricos (Arquivo Trindadeiros) |
Relendo
notas, recordando de tantas pessoas e momentos que fizeram parte da minha breve
existência, sustento cada vez mais a
importância de manter viva- memória para a nossa sobrevivência cultural. O
saudoso Rubem Alves há muito tempo disse que “quem se lembra do passado com
emoção nunca sentirá tédio do presente”. É a memória que sustenta a cultura. E
a cultura é o espírito de um povo!
Comecei
assim, hoje, dando continuidade ao tema do livro Genocídio dos Caiçaras, da Priscila Siqueira. Parece que foi ontem
que ela, o frei Valdir, o Zé Gil e outros encabeçaram, em Ubatuba, uma
mobilização contra as investidas dos especuladores e exploradores que queriam
desalojar os caiçaras de suas terras. Me lembro bem que, na Casa de Emaús, no
Sertão da Quina, o movimento ecológico Pela Vida, Pela Paz em Defesa de
Ubatuba, a Associação dos Produtores Rurais de Ubatuba, as pastorais da Igreja
Católica e outras entidades de apoio nos inteiravam dos acontecimentos e encaminhavam
atos concretos que pudessem barrar as injustiças no território caiçara. Além da
questão da Dona Luzia Borges, no Rio Escuro, também nos angustiávamos pelos
trindadeiros. Era o ano de 1980. Acompanhávamos tudo de perto. Colhíamos
assinaturas para muitas etapas dessa luta. Os relatos nos comoviam. Tudo aquilo valeu muito! Era o espaço caiçara que sofria ataques! Mais tarde, a histórica
vitória dos trindadeiros foi narrada pela Priscila:
Uma
solução considerada única na luta de terras no país foi alcançada em 5 de
novembro de 1981, quando 71 famílias caiçaras moradoras em Trindade, praia
situada a 28 quilômetros ao sul do centro urbano de Paraty, assinaram o título
definitivo de sua propriedade. A assinatura do documento foi feita numa das
salas da escola isolada de Trindade, na presença de posseiros, de seus
advogados Jarbas Vasconcelos Penteado e de José Pascowitch Neto, dono da
Cobrasinco, acompanhado de seus advogados.
A
Cobrasinco é uma empresa de capital nacional especializada em construções, que
em junho de 1981 comprou por 3 milhões de dólares os títulos da terra da praia
da Trindade, da ADELA – Atlantic Development Group for Latin America, holding
composto por 227 empresas multinacionais, com sede em Luxemburgo. Durante mais
de nove anos os caiçaras de Trindade resistiram a esta poderosa holding,
testemunhando uma das mais belas histórias de luta dos oprimidos por seus
direitos, pela posse de suas terras e
por sua dignidade de pessoas humanas.
“Se
tenho de morrer, que seja em minha terra”, afirmava Antônio de Jesus, pai de
sete filhos que por três vezes foi expulso dos barracos que construía em
Trindade. Durante muito tempo, Antônio, um dos líderes na luta de resistência
dos caiçaras nesta praia, morou à beira de estradas, na praia e nas matas da
Serra do Mar, recusando-se a abandonar as terras em que seus pais sempre
plantaram. A luta dele foi igual a de
muitas famílias que, expulsas de suas casas, se embrenharam na mata, passando a
viver em cavernas e cabanas improvisadas.
Nem
sempre o cotidiano dos trindadeiros foi de sofrimento. Quando a especulação
imobiliária não havia chegado a este litoral, a vida era outra para esses
posseiros antigos. O Cartório de Paraty atesta que há mais de 200 anos seus
antepassados já moravam ali. Os mais velhos testemunham: “A gente não carecia
de dinheiro, não; com um dia de caminhada a gente chegava a Paraty, onde
trocava a farinha, a banana por querosene ou pelo que precisasse. Às vezes, um
pano pra mulher fazer vestido”.
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