Higino, Solange e Élder e a criação de mexilhões (Arquivo JRS) |
Aproveitei esses
dias para reler alguns papéis guardados. Geralmente são anotações de conversas,
curiosidades, causos e histórias de gente que eu gosto. Entre as preciosidades
também têm relatórios espontâneos, de pessoas que querem expressar suas
experiências. Selecionei alguns que foram escritos por adolescentes. Eles são
simples, mas guardei-os porque são reveladores de traços da nossa cultura
caiçara. Hoje, pensando na comemoração do Dia dos Santos Reis, na tradição que continua entre os caiçaras, apresento três desses relatos.
1- “Meus avós sempre moraram na Praia da Almada.
Meus pais e meus tios nasceram lá também. Eles têm uma dependência total de
onde vivem por sempre viverem no mesmo lugar.
O
sotaque deles é muito diferenciado e muitas das palavras são “inventadas”,
coisas que só os caiçaras entendem. Por exemplo: cóxa é dor de barriga, rumô é
barulho etc.
O
padrão cultural é de uma vida bem simples. Muitas vezes comem o que o marido
(pai de família) pesca. Comem peixe com banana, fazem pirão (que é feito com
caldo de peixe). É basicamente no peixe que se baseia a culinária.
Os
caiçaras fazem redes e canoas para a pesca. As roupas são bem simples, andam
sempre de chinelos e com calças arregaçadas (enroladas) até perto dos joelhos.
As
famílias são grandes, numerosas”.
2- “Os
caiçaras são pessoas com uma cultura muito forte, que têm grande relação com a
natureza que está à sua volta. Porém, estão se enfraquecendo, principalmente
depois da chegada, em maior número, de pessoas de outros lugares, de gente que
não pertence a esta cultura.
Os
caiçaras, no auge da sua cultura, viviam basicamente do convívio harmônico com
a natureza. Traços desta cultura são a alimentação, que é muito baseada em
peixes e frutos do mar, e, as brincadeiras que vêm desde antigamente.
O
sotaque caiçara é bem legal porque a fala é bem rápida”.
3- “Ser caiçara vai muito além de
apenar residir na pequena Ubatuba. São poucos os moradores que mantém e
repassam a cultura, os costumes e as lendas folclóricas da região.
A
tranquilidade de raiz, o pé na areia, o dom da pescaria, peixe com banana,
camarão e até mesmo o surf não são para qualquer um, e passam despercebidos no
dia a dia.
Caiçaras
geralmente são os de mais idade, os que
conhecem as lendas locais. Se vestem de forma bem simples. Chapéu e chinelos fazem
parte dessas pessoas que, quando crianças, brincavam de amarelinha, de passa
anel, seis marias, bolinhas de gude...ao invés de viver conectado no mundo
moderno da tecnologia.
“Vosmicê”
e outras palavras tão em desuso ainda aparecem entre os caiçaras. O pronome de
tratamento “vós” sempre esteve presente no vocabulário da minha bisavó caiçara.
Essa
cultura, o jeito do pescador, o linguajar, atualmente, aos olhos dos jovens
modernos, talvez chegue a ser engraçado. Assim, com o tempo, a cultura vai se
perdendo e ficando nas lembranças dos caiçaras e nas bibliotecas”.
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