Muro da Creche Francisquinho 2014 - Estufa (Arquivo JRS) |
Vale a pena recordar!
De
vez em quando eu recordo de algumas passagens a respeito do saudoso Frei Pio
Populin, sobretudo de embates com o finado João Pimenta, da praia do Sapê, onde
nasci. Era interessante escutar uma espécie de prosa que não era comum em nosso
meio. Hoje eu digo que tratava-se de enfrentamentos teológicos. Quando? Segunda
metade, quase final da década de 1960. A imagem do disposto religioso escondido
por um hábito marrom, tendo um cordão encardido pela cintura, foi marcante na
minha infância. Bem depois disso, já na década de 1980, na Estufa, lá estava eu
ajudando o mesmo frei nas obras da futura Creche Francisquinho. Também estive
com ele me inteirando do Posto da ASEL, na Praia da Ponta Aguda. Deste lugar
estão na memória: Aristeu, Odócia, João Araújo, Ambrósio, Filhinha e tantas
pessoas desta terra (Ubatuba) maravilhosa!
Agora,
relendo a tese de doutorado do Olympio Corrêa de Mendonça, defendida em 1978,
novamente sou instigado a escrever a respeito do Frei Pio.
"A
instabilidade social da região dificulta muito o levantamento estatístico do
número de suas casas e seus habitantes. A transformação causada pelas obras da
Rio-Santos, a especulação imobiliária, a presença de potentes barcos de pesca
nesse litoral e a proibição da caça de subsistência têm estimulado o êxodo para
as cidades. O Bairro da Estufa, em Ubatuba, tem recebido um enorme contingente
de famílias de retirantes. Em Ubatumirim, porém, onde se instalou uma missão
franciscana, o êxodo rural é menor. Há casos, inclusive, de famílias que
mudaram para Ubatuba, gastaram o dinheiro da venda de seus terrenos, e depois
voltaram para a região, internando-se nos sertões do sopé da Serra do Mar, para
formar novas posses, onde lavrariam a terra, beneficiariam a mandioca, e dedicar-se-iam
à caça de subsistência, únicas atividade para as quais estão preparados."
[...]
De 1970, quando começou o desmatamento para a construção da estrada de serviço
[dando início à rodovia que nos ligaria à vizinha Paraty], até hoje, quando o asfalto corre por vales,
corta morros, aterra mangues e já está para se encontrar com o trecho que vem
de Santa Cruz (R.J), e as autoridades prometem a inauguração do trecho Ubatuba
a Santa Cruz, para meados de 1976, a região já sente os sintomas e as
consequências de uma transformação radical. Junto com o desenvolvimento chegou
a destruição. [...] O caiçara antes já abandonado, recebe agora o tiro de
misericórdia. As pressões econômicas, físicas, psicológicas, despojam-no de
suas posses seculares (Ver SEMEDO, Fernando. “Rio-Santos ameaça tudo, até os
caiçaras”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 29 out., 1973). Os terrenos
chegam a ser vendidos por centímetros. É a Costa do Ouro Brasileira; não há
lugar para os que a lavraram durante cerca de 300 anos.
Os
caiçaras expulsos das terras de seus ancestrais, são apertados nos sertões dos
sopés da Cordilheira Atlântica, tornam-se, mais raramente, caseiros de suas
próprias terras, já vendidas a preço baixo, e, no mais das vezes, são jogados
às sarjetas das cidades vizinhas, que se incham nas favelas, que já começam a
proliferar pelos mangues e morros.
[...]
Se não tivesse existido o esforço ingente da Ação Social Estrela do Litoral
(ASEL), dos Frades Conventuais, talvez esse “Império Caiçara” já estivesse
totalmente devastado.
Frei
Pio Populin, missionário franciscano conventual, nascido em 17/02/1913, chegou a Ubatuba em 1966. Seus
primeiros contatos com os caiçaras são narrados por Stipp Junior:
“... no meio dos turistas, sua atenção foi
atraída por aquela gente simples e pobre que chegava pelo mar, com sacos de
farinha ou cachos de banana para vender...”
Ele embarcou-se numa daquelas canoas feitas de um só tronco e penetrou no
chamado “Império Caiçara”. Mais tarde, vencendo dificuldades enormes, instalou
em Ubatumirim, no coração da região, o Centro de Promoção Humana e
Profissional, mantido pela ASEL da qual foi fundador e presidente.
Sei dos
esforços do Frei Pio. Meus tios Salvador, Nelson e Dito Félix e tantos outros estiveram na
empreitada do Estaleiro do Padre. Ele, imitando o Santo de Assis, também saía
pedindo até mesmo junto aos empresários no ABC e na capital paulista. Agora, desde 18/11/2009, descansa neste chão que tanto amou, bem longe da pátria italiana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário