sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

SE RECICLANDO NO AMBIENTE QUE NOS GEROU

                

                  Bem-vindos ao blog Marcos Prado e Carla Santos!


                Reciclar, no texto de hoje, significa aprimorar a partir de tornar a experimentar, de uma revisão, de superar novos desafios, de reencontrar com antigas práticas de coleta, de reparar nas marcas deixadas pelos animais, de reconhecer os sons dos pássaros etc. que são perpetuadas por nossos mateiros caiçaras.  No caso, estou me referindo ao hábito de fazer trilhas pela Mata Atlântica, pelos nossos morros.
                Geralmente, no decorrer do ano, as minhas caminhadas são curtas, sem exigência de muito esforço, nem de grandes desafios. Na maioria delas é possível fazê-las com vestimentas leves, calçados simples ou chinelos.  Porém, sinto falta das caminhadas pesadas, onde as roupas devem ser reforçadas, além do uso de botas de borracha, do tipo usado nas tarefas dos bananais, imprescindíveis porque protegem os pés dos buracos entre as raízes e pedras, dando firmeza em pontos inseguros.  
                O parceiro de subida da serra, que contribuiu nessa reciclagem, foi o Valtinho, caiçara do Sertão do Ubatumirim, morador no Ipiranguinha há mais de trinta anos. O trajeto foi a Picada da Cachoeira do Meio, na área da Trilha da Serra Acima, o primeiro acesso das terras ubatubanas com o território do Vale do Paraíba.  Ontem, 15 de janeiro, guarnecidos com mochila e facão, começamos por volta das 5:30 horas a nossa jornada. Antes das 15:00 horas chegamos de volta em casa. Ufa!
                Foi um ritmo forçado. Nesses momentos, controlando o fôlego para não ter de parar para descansar, é que eu pensei o quanto ainda tenho de treinar para subidas íngremes, tendo apenas galhos e poucos cipós como auxílio. Já o meu parceiro, devido ao hábito regular, não perdia o pique nunca. A disposição das descidas era o mesmo que das subidas e dos escorregões. “Não é fácil acompanhar o Valtinho!”.
                A picada é um trajeto antigo, dos caçadores. “Geralmente são feitos sobre antigos carreiros de animais”, mas não são muito evidentes. Ou seja, aqueles que as utilizam não querem limpá-las para não causar estranheza aos animais. Temem também a invasão de aventureiros e o policiamento. É como se dissessem: “Quanto menos vestígios melhor”. Os sinais mais indicativos das picadas são galhos e folhas dobrados.
                A Picada da Cachoeira do Meio começa na Cachoeira dos Macacos, na região onde várias cachoeiras se juntam para constituir uma das captações de água do município de Ubatuba. Não é possível descrever as belezas das quedas e dos poços de águas límpidas que enfeitam essa nossa mata. Também não tem como deixar de perceber que esse ambiente é muito frágil. Sob nossos pés, longe das grotas úmidas, o que notamos são pedras e solo arenoso sustentado por árvores, quase sem nenhuma vegetação de menor porte consistente. Ou seja, acabem com as árvores e teremos uma desolação só, com pedras e terra descendo livremente em direção às áreas de ocupação humana, soterrando tudo.
                Na serra, aparentemente  verde, tem trechos sem água, mas é o melhor lugar para perceber as árvores como estratégia para a captação das águas. Por isso, nunca se aventure nela sem levar uma reserva de água.
                É deslumbrante perceber que aquele filete de água, brotando numa grotinha qualquer, logo vai se juntar com uma água maior e dar um espetáculo de nos convidar a ficar ali pelo resto da vida.

                Também é legal escutar pássaros que, nessa época do ano, nem se aventuram perto do mar. E o que dizer das marcas dos animais maiores? O Valtinho, criado nessa nossa mata, mais observava, mas de vez em quando dizia: “Tá vendo essa marca na areia, Zé? É cateto que passou por aqui!”. “Tá escutando o sabiá preto cantando?”. “Daqui a um mês, após a chuva, podemos vir para recolher coco pati brotado. É muito bom, né?”.

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