Bem-vindos ao blog Marcos Prado e Carla Santos!
Reciclar,
no texto de hoje, significa aprimorar a partir de tornar a experimentar, de uma
revisão, de superar novos desafios, de reencontrar com antigas práticas de
coleta, de reparar nas marcas deixadas pelos animais, de reconhecer os sons dos
pássaros etc. que são perpetuadas por nossos mateiros caiçaras. No caso, estou me referindo ao hábito de fazer
trilhas pela Mata Atlântica, pelos nossos morros.
Geralmente,
no decorrer do ano, as minhas caminhadas são curtas, sem exigência de muito
esforço, nem de grandes desafios. Na maioria delas é possível fazê-las com
vestimentas leves, calçados simples ou chinelos. Porém, sinto falta das caminhadas pesadas,
onde as roupas devem ser reforçadas, além do uso de botas de borracha, do tipo usado
nas tarefas dos bananais, imprescindíveis porque protegem os pés dos buracos
entre as raízes e pedras, dando firmeza em pontos inseguros.
O
parceiro de subida da serra, que contribuiu nessa reciclagem, foi o Valtinho,
caiçara do Sertão do Ubatumirim, morador no Ipiranguinha há mais de trinta
anos. O trajeto foi a Picada da Cachoeira do Meio, na área da Trilha da Serra
Acima, o primeiro acesso das terras ubatubanas com o território do Vale do Paraíba.
Ontem, 15 de janeiro, guarnecidos com
mochila e facão, começamos por volta das 5:30 horas a nossa jornada. Antes das
15:00 horas chegamos de volta em casa. Ufa!
Foi
um ritmo forçado. Nesses momentos, controlando o fôlego para não ter de parar
para descansar, é que eu pensei o quanto ainda tenho de treinar para subidas
íngremes, tendo apenas galhos e poucos cipós como auxílio. Já o meu parceiro,
devido ao hábito regular, não perdia o pique nunca. A disposição das descidas
era o mesmo que das subidas e dos escorregões. “Não é fácil acompanhar o
Valtinho!”.
A
picada é um trajeto antigo, dos caçadores. “Geralmente são feitos sobre antigos
carreiros de animais”, mas não são muito evidentes. Ou seja, aqueles que as
utilizam não querem limpá-las para não causar estranheza aos animais. Temem
também a invasão de aventureiros e o policiamento. É como se dissessem: “Quanto
menos vestígios melhor”. Os sinais mais indicativos das picadas são galhos e
folhas dobrados.
A
Picada da Cachoeira do Meio começa na Cachoeira dos Macacos, na região onde várias
cachoeiras se juntam para constituir uma das captações de água do município de
Ubatuba. Não é possível descrever as belezas das quedas e dos poços de águas límpidas
que enfeitam essa nossa mata. Também não tem como deixar de perceber que esse
ambiente é muito frágil. Sob nossos pés, longe das grotas úmidas, o que notamos
são pedras e solo arenoso sustentado por árvores, quase sem nenhuma vegetação de
menor porte consistente. Ou seja, acabem com as árvores e teremos uma desolação
só, com pedras e terra descendo livremente em direção às áreas de ocupação
humana, soterrando tudo.
Na
serra, aparentemente verde, tem trechos
sem água, mas é o melhor lugar para perceber as árvores como estratégia para a
captação das águas. Por isso, nunca se aventure nela sem levar uma reserva de
água.
É
deslumbrante perceber que aquele filete de água, brotando numa grotinha
qualquer, logo vai se juntar com uma água maior e dar um espetáculo de nos
convidar a ficar ali pelo resto da vida.
Também
é legal escutar pássaros que, nessa época do ano, nem se aventuram perto do
mar. E o que dizer das marcas dos animais maiores? O Valtinho, criado nessa
nossa mata, mais observava, mas de vez em quando dizia: “Tá vendo essa marca na
areia, Zé? É cateto que passou por aqui!”. “Tá escutando o sabiá preto
cantando?”. “Daqui a um mês, após a chuva, podemos vir para recolher coco pati
brotado. É muito bom, né?”.
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