segunda-feira, 28 de julho de 2014

LEMBRANÇAS NOSSAS





     Aproveitando que a Iramaia e o Marquinhos gostaram das outras lembranças, resolvi dar mais asas à imaginação. Ainda bem que a saudade me ajuda muito!

       Andando pelos caminhos e ruas do Perequê-mirim que cresceram comigo, parei logo depois do lugar dos batalhadores Hiasa como se estivesse vendo, num quintal dali, o Velho João Emboava e a bondosa Dona Júlia. Naquele tempo ele já vivia numa cadeira de rodas. Porém, quem dos antigos não se lembra dos bate-pés do tempo em que eles moravam na Enseada, tal como os promovidos pelo Seo Dito Góis, quando ainda era católico?

      Seguindo a mesma rua, lembrei-me do Lalau que, num belo dia, levou suas filhas bonitas para Caraguatatuba. Depois, na mesma casa, veio morar a Dona Jovina. 

      Defronte à esquina do Tião Honório e da sua mãe Dona Hermínia, a Dona Preciosa e o Seo Dito construíram sua primeira casa no Perequê-mirim. “Naquele tempo dava dinheiro alugar casa para temporada! Muita gente vinha veranear em nossas praias.” Mais ao lado outras construções apareciam: uma era do Santinho e a outra do Nilo Cabral, ao lado do casal Seo Carlos (eletricista, encanador e relojoeiro) e Florízia, filha do Seo João Lucas. Na verdade, eram lotes que faziam parte das terras da Dona Maria Graça, mãe do Jango, da Dolores, da Jane, da Maria e do Nelson. Bem ali, atravessando um límpido rio, se alcançava a casa do Gusto e da Dona Antônia, da Regina e do Chico Mineiro. Perto deles moravam Nicolau Caçuroba, Licínio Teteco, Teco da Dorcas, Otacílio Barreto e a sua mãe (que era bem corcunda, coitada!).

       A partir da esquina da Vila Pixucha, eu puxava conversa com Nazaré e Natalina, as meninas da Dita e do Brasiliano. Era o meu caminho para ir até a casa do Odilon, um dos filhos da Dona Celeste e Seo Zé Maia. Nós trocávamos gibis. Líamos muito! Desde gibis até livros, revistas de fotonovelas etc. Ainda um dia desses, sobre isso, eu passei um tempão conversando com a Maria Odila.

       Ao lado da Dona Celeste, moravam Idílio, Maria e crianças. A propósito, sempre me perguntei de onde veio esse nome. Foi ao próprio Idílio que ousei perguntar. Ele, embalado por umas cervejas, no Bar Orly (do Severino) me disse:


     “Ah, Zezinho! Veio em homenagem a um bispo, do tempo em que os meus pais eram católicos! Na época do meu nascimento, foi inaugurado a chegada da energia elétrica em Ubatuba. Veio o governador Ademar de Barros e veio o bispo de Taubaté, o Dom Idílio José Soares. Aí, desejando que eu fosse uma boa pessoa, me batizaram com o mesmo nome do bispo”.

sábado, 26 de julho de 2014

PALMEIRAS E... (I)

Amendoeira morrendo na praça - (Arquivo: Júlio Mendes)
                Inspirado pela imagem registrada ontem pelo amigo Júlio na principal praça da cidade (Ubatuba), onde o descaso das diversas administrações deixou chegar ao ponto que estamos vendo, resolvi buscar um texto mais antigo.

               Já escreveu o Seo Filhinho:

              “Não são poucos, principalmente turistas, que se mostram curiosos quanto à idade e procedência das palmeiras que circundam a praça da Igreja Matriz. Eis porque consignamos aqui algumas informações sobre elas e também sobre as amendoeiras, também conhecidas por chapéu de sol –que encontramos estendendo suas frondes em diversos pontos da cidade e que se vão espalhando pelas praias do Município.
             As amendoeiras são árvores nativas da Malásia, mas muito bem aclimatadas no Brasil, sendo empregadas na arborização de logradouros públicos, principalmente nas praias, onde oferecem resistência aos ventos, germinando e desenvolvendo-se bem em solo arenoso, de pouco humo.
        Acreditamos que as primeiras mudas dessas árvores chegaram em Ubatuba através das mudas adquiridas pela Câmara em 1876, no Rio de Janeiro, de conformidade com o recibo seguinte:

          ‘O Sr. João Pedro dos Santos (Para a Câmara Municipal)
          A  Duarte, Filho  & Genro
              12 amendoeiras, a 1$500 cada.........18$000
             Caixão e carreto das mesmas no Rio..1$200
           Frete................................................. .3$600
                                                              RS 22$800
Recebemos do Sr. João Pedro dos Santos  -Procurador da Câmara Municipal de Ubatuba, a quantia de vinte e dois mil e oitocentos réis.
Ubatuba, 27 de fevereiro de 1876.
Duarte, Filho & Genro’          (Atas da Câmara Municipal)


        Se as amendoeiras que encontramos aqui, espalhadas por toda parte, fossem nativas, como querem alguns, certamente a nossa Câmara, que há mais de um século já se mostrava preocupada com a ornamentação urbana, não cometeria a insensatez de importar 12 mudas do Rio de Janeiro, para plantá-las em nossas praças”.

        E agora, hem Júlio?!? Quem é que cuida das nossas praças, da ornamentação tão necessária em nossa cidade?

sexta-feira, 25 de julho de 2014

AS MESMAS RUAS

A jabuticabeira que restou.  (Arquivo JRS)

          Por esses dias voltei ao bairro da minha infância, ao Perequê-mirim. Fiz questão de passar pelas ruas onde brincávamos e pelas outras que são “novidades”. Todas estão repletas de casas.

         Na minha antiga moradia, aos pés do Morro da Maria Graça, dei uma olhada mais atenta, avistei a caixa d’água, as pedras onde pulávamos... Tá quase a mesma coisa tudo por ali. Lembrei-me do tempo em que tudo aquilo era muito mato. “Aqui a Dolores fez uma casa, lá morava a Dona Jacinta e o Seo Tomás. Dentro dessa chácara o Luiz do Pito era caseiro. Onde morava o Dito da Hermínia, agora é um supermercado. No pé do morro era onde moravam o Seo Jorge, a dona Joana, o Elídio, o Antenor...Os Emboavas, assim como o pessoal do Domingos do Lícínio, se espalharam por outras terras. O Mané Gardino juntou os seus e se mudou para a Estufa...E o Morro do Angelino? E o Morro do Licínio? Deve estar cheio de gente nova!”. Tudo isso eu comentei com o Donizete, o Zetão, ao lado da moradia do Otacílio e da Ló.

        Continuando, quase não vi nenhum espaço vazio. Agora, os muros impedem as melhores visões, os quintais onde as criações abundavam. Encontrei poucos rostos de outro tempo. Estão envelhecidos, mas foi um imenso prazer revê-los.

     Naquele tempo, os Rocha nem tinham aberto o loteamento. Braulino e sua prole estavam ainda no Flamengo. O lugar deles era lugar de passarinhar, de pegar cambucás e de brincar pelos caminhos.  Naquele chão, a atração era a Usina da Aragon, a empresa que fez o novo asfalto de Caraguatatuba até Ubatuba“ Ah! Que saudades das mexericas do quintal do Álvaro Rocha! Só que ele, de tão ciumento, não podia saber das visitas que a esposa recebia durante o tempo em que estava nas obras, trabalhando de pedreiro. Por isso que, a cada vez que deixávamos seu quintal, a sua bondosa companheira, com uma vassoura de mato, varria todos os vestígios estranhos que marcavam a areia. Ele era muito bravo. Eu tinha dó dos filhos deles, do Zezinho e do Luizinho. O Velho Maneco Rocha também nos assustava sempre com aquele vozeirão”.


       Na terra do Velho Hiasa, avistei o Akitoshi. Foi na antiga roça deles, onde tinha pimenta-do-reino, que o Seo Dito Góis criou a sua descendência. Alguns continuam no mesmo lugar. “Por onde andará o Keiso, o outro filho do velho japonês?”. Ali, seguindo uma rua que não existia na minha infância, cheguei até onde ficavam as Jabuticabeiras do Japonês, que na época certa deixava que todos fossem se fartar das deliciosas frutas. Agora só tem uma das árvores. Está sofrida, velha. Serve de sombra a um barco velho. 
     
        É isso mesmo! As jabuticabeiras também morrem ou são mortas!

quinta-feira, 24 de julho de 2014

OUTRO MESTRE?

Violão do Júlio: bela arte, né?

       Bem cedo recebi a notícia do falecimento do Mestre Suassuna. Que triste!

       Ariano Suassuna, como outros literatos brasileiros, deram a sua contribuição ao nosso ser, aos desafios de ir registrando as coisas da nossa terra.

        Seu espírito me desloca para o tempo de escola, onde brincávamos de roda, de adivinhas, de parlendas... “Escravos de Jó/ Trocavam caxangá...”, “A mão direita tem uma roseira/ Que dá flor na primavera...”, “Capelinha de melão/ É de São João...”, “Onde está a Margarida/ Olê, olê, olá...” etc.

     O seu Movimento Armorial, cuja intenção era produzir uma arte erudita a partir das tradições populares, está em "alinhamento" com os princípios da Caiçarada que acontece em Ubatuba, com o Festival de Marchinhas que é sucesso em São Luiz do Paraitinga e de tantas outras iniciativas pelo Brasil afora que se preocupam  com nossas raízes, com as bases fundadoras do povo brasileiro.


        Valeu Suassuna!

terça-feira, 22 de julho de 2014

FOI MESTRE MESMO!

Imagem do Google

          No último dia 19 perdemos um grande mestre: Rubem Alves.
       Rubem Alves, cujas obras eu tive contato na metade de 1980, me encantou sempre com sua linguagem despojada, seus temas incisivos e tão próximos da gente. Por isso sempre fiz questão de guardar recortes, de adquirir obras e de acompanhá-lo em suas palestras sempre que possível.
       Tenho sempre como leitura obrigatória as suas reflexões a respeito da educação. Em forma de metáforas, esse homem sempre trouxe outras luzes para entender temas importantes.
      Numa ocasião, numa discussão em torno dos vestibulares e da estrutura de ganhar dinheiro nisso, os chamados cursinhos preparatórios, o devotado professor Ênio trouxe o texto de Rubem Alves com o título de O país dos dedos gordos (5), incluído na obra Estórias de quem gosta de ensinar. Assim está escrito:
        “Enganam-se os que pensam que os cursinhos são organizações escolares dedicadas a ministrar um saber avançado. Entre as disciplinas que normalmente servem em suas dietas encontram-se sempre a ansiedade como tempero gratuito. É que ela é parte integrante das liturgias que acontecem em volta dos vestibulares. Sem a magia negra da ansiedade eles seriam eventos banais, sem maior importância. É a ansiedade que lhes dá sua dignidade específica, qualidade quase religiosa perante a qual todos se curvam, sabedores de que ali se joga com o sentido da vida. Daí o seu poder para penetrar no corpo; aquele frio na barriga, os pulos sobressaltados no meio do sono, os olhos abertos que se recusam a dormir, as diarreias, a agressividade que gostaria de quebrar muita coisa e se contenta em aparecer domesticada sob a forma de uma úlcera”.
        No fundo, o saudoso mestre dizia que “tudo se mobiliza para um único fim: engolir as dietas sem gosto preparadas por quem sabe mais. A ansiedade tem esse estranho poder: ela torce o corpo e o obriga a fazer coisas que ele não deseja saber. Forma refinada de tortura”.

         E sabe de onde ele partiu, nesse tema ansiedade?        “Lembro-me de uma advertência que se encontra, se não me engano em Ubatuba. Quando o jovem se assenta no trono, para um momento de concentração fisiológica, sua atenção é atraída por duas linhas cuidadosamente escritas: ‘Enquanto você está aqui cagando, há um japonês estudando...”.     

    Enfim, um grande pensador que se tornou imortal por suas reflexões tão concretas. De forma especial, agradeço às amigas Ieda Ribeiro e Louise, suas antigas alunas, pelas belas prosas e saudosas recordações desse mestre.                                                                                                                                     Viva Rubem Alves!                            

segunda-feira, 21 de julho de 2014

PESCADORES SEMPRE

Rancho do Itaguá - (Arquivo Chiéus)

     Agora, pensando na atividade pesqueira no litoral, sobretudo em Caraguatatuba e Ubatuba, me vem à memória alguns lugares especiais, onde sempre encontrei  algum caiçara-pescador, sempre aberto a uma boa prosa. Porto Novo, Canto do Camaroeiro, Galhetas, Praia Grande do Bonete, Rancho do Itaguá, Barra do Indaiá, Barra Seca etc. são algumas referências marcantes.

    Por isso sempre estou prestando atenção ao que fazem ou deixam de fazer aos pequenos pescadores  e canoeiros da nossa terra. Também me pergunto sempre, diante da poluição e da pesca predatória, o que vai ser dessa atividade (pesca artesanal) e dessa característica cultural tão singular.

    Hoje, lendo um texto a respeito da situação do pescador artesanal, faço questão de transcrevê-lo para servir como referência para celebração, luta e revisão de vida. Na obra Pescadores de Caraguatatuba, de Luzia Rodrigues de Toledo Prado, publicada em 2001, está assim:

    “Na região do Porto Novo, a atividade que vem auxiliando na economia doméstica é a pesca voltada para o turismo. Durante o ano os pescadores levam os turistas a vários pontos do Litoral Norte, ensinando-lhes a pescar e a conhecer um pouco da cultura caiçara [...].
  No centro de Caraguatatuba, os pescadores receberam no ano de 1998 o entreposto de pesca, situado na Praia do Camaroeiro, onde foram construídos 12 boxes e uma câmara fria com capacidade para 20 toneladas de produtos pesqueiros. Com essas instalações, os pescadores foram beneficiados, pois o entreposto proporcionou condições ideais de armazenamento da mercadoria, facilitando também a venda do pescado.
     Dentre tantas preocupações que permeiam a vida da comunidade pesqueira de Caraguatatuba, uma permanece constante: a de manter e preservar a pesca artesanal que durante gerações vem sobrevivendo às transformações e ao desenvolvimento que ocorrem no município”.

    Por fim, constatação fácil de se verificar –e de revitalizar!- é:


      “O cotidiano dessas famílias mudou devido a tantas transformações, mas a história de uma vida, com riqueza de detalhes, ficou registrada em suas memórias”.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O GALO DO MANÉ BENTO

 
Praia do Itaguá - 1985 - Puxada de rede
               Hoje, ao escutar a cantoria dos galos da vizinhança, achei por bem rememorar o saudoso Mané Bento. 

        O meu parente Mané Bento, apesar de boa pessoa, era muito preguiçoso. Mas preguiçoso mesmo! Apesar de sempre ter ouvido tal adjetivo sobre ele, eu só me convenci disso depois do episódio do galo. Foi assim: na nossa rotina de caiçaras, há quarenta anos, quando os primeiros turistas estavam se instalando pelos jundus, todas as praias mansas, que ofereciam as condições propícias, tinham os seus os seus ranchos de pesca. Era preciso um mar muito bravo para impedir que as canoas não descessem dos rolos e fossem buscar os maravilhosos pescados através de tresmalho, linhada, puçá, puxada de rede na praia etc. 

                Da diversidade de técnicas para garantir o peixe nosso de cada dia, de todos os recursos, eu sempre fui encantado pelo ritual da puxada de rede na praia. Um dos meus avós, o vovô Armiro, era dono de canoa e de rede, juntamente com o seu irmão; foi com quem eu mais convivi nesse aspecto, vivendo momentos emocionantes disso tudo. Ao menos um dia da semana a sua rede garantia o sustento das famílias da praia da Fortaleza. Ao “toque do buzo”, que ficava nos apetrechos do rancho das canoas, o meu tio-avô Genésio, contramestre da rede, chamava os camaradas quando o dia ainda estava longe do amanhecer. Apesar do ritual, tudo era rápido. Logo as remadas estavam sendo intercaladas pela rede que ganhava as águas piscosas daquele tempo. Depois era só o arrasto compassado, controlado pelo mestre para  que as cabeceiras chegarem por igual no fechamento do lance, aproveitando bem todo o esforço e não perdendo o valioso conteúdo que tinha desde palombetas até robalos e enormes cações. Ninguém fazia caso da miuçalha. Os urubus e garças se fartavam até não poder mais; sempre tinha um restante que era enterrado para não feder. Depois dos lances, quando havia mais de um, os quinhões eram repartidos, todos colocavam tudo em ordem no rancho do jundu para uma próxima vez e se dirigiam para suas casas. Era uma fartura de peixe fresco.

                Numa dessas ocasiões, quando retornávamos para casa, vimos o Mané Bento descendo o morro com um galo embaixo do braço. O sol já era alto! Quis saber do meu avô do que se tratava. Ele logo me explicou:

                - Todo dia ele faz isso porque não gosta de acordar cedo. Então, no serão, ele leva o galo para um galinheiro na roça. Desse jeito o bicho não o perturba desde a madrugada. No outro dia, sempre na hora em que todo mundo já está se arrumando para o almoço, ele busca o coitado que passou a noite isolado de seu terreiro e das companheiras do galinheiro. Tenho até dó do bicho.   Tudo isso porque o Mané Bento é muito preguiçoso. Você entende agora porque o danado é chamado de preguiçoso?

                Assim se deu o meu convencimento.

sábado, 12 de julho de 2014

EM TEMPO DE FUTEBOL


Tio Dico e sua canoinha no rio Puruba (Arquivo JRS)

              É final de Copa do Mundo! Novamente a Alemanha está lá! Que falta do Daniel Sabiá, do Domingos e de tantos outros futebolistas caiçaras!
Que tal recordar um pouco?

           Domingos, filho do Licínio Barreto, funcionário público do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), aos domingos era juiz (árbitro) de futebol. Até uniforme da “LUF” tinha (para ser respeitado dentro de um limite, de acordo com as torcida). Foi ele que contou o seguinte causo:
                “Isso aconteceu logo depois da conquista do tri pelo Brasil, num jogo no campo do Puruba, um paraíso de borrachudos na boca da barra. O time da casa fazia uma partida decisiva contra o Recurso  (do Saco da Ribeira) e perdia por 1 a 0. No último instante, marquei um pênalti que beneficiava o pessoal do Puruba.
                Depois da bola ajeitada na marca, o atacante Dico tomou distância de 15 metros e aguardou o apito. Esperei o silêncio. Assoprei a ordem para o caneludo caiçara sair disparado.
                Que beleza! Foi um estouro!
                A bola arrebentada seguiu firme na direção do goleiro Cardo. Em fração de segundos adentrou pelo arco o couro e o capotão (câmara de ar, de borracha). Foi duplo frango! Eu validei o gol, ou melhor, os dois. O resultado se inverteu, o tempo acabou. O Puruba ganhou a peleja por 2 a 1.
                Depois de muitos xingamentos, inclusive à mamãe, o Recurso, através do técnico Paulo Sabão, apelou para outro imparcial juiz presente – o Daniel Sabiá. Este decidiu tudo com esta frase:
                ‘Estourou, mas entrou na caçapa! O Puruba é campeão da Taça José Zabeu. Viva nós, viva tudo, viva o Chico Barrigudo!’.

          Depois foi só alegria com muita bebida e comida! Até escaldado de ostra tinha!”.

                Só acrescento agora o que mano Jairo fez questão de relembrar: 
                  "Sem contar que em outro jogo o Chico Preto, do Itaguá, ao chutar o pênalti, fez com que o goleiro pulasse no canto esquerdo para pegar a chuteira que escapou do seu pé, enquanto a bola entrava pelo canto direito". É mole?









Sem contar, que em outro jogo, o Chico preto, ao chutar o pênalti, fez com que o goleiro pulasse no canto esquerdo para pegar a chuteira que escapou do pé dele, enquanto a bola entrou no canto direito".

sexta-feira, 11 de julho de 2014

SACO DAS BANANAS

Tio Zacarias, o folião do Divino (Arquivo Kilza Setti)
               Em certa ocasião, esperando a condução na Praia Dura, conversei longamente com o saudoso Zacarias, um parceiro de Folia do Divino e de outras festas do tio Maneco Armiro. 
        Para nós também era tio. "O tio Zacarias, o tio Maneco e a tia Ana estão em cantoria, lá na sala deles". E a criançada passava por ali para ouvir as toadas conhecidas e apreciar as novidades, as novas letras em mesmos ritmos.
              Anos mais tarde, parando no alto da Praia do Saco das Bananas, imaginei ele ali no caminho tantas vezes percorrido, assim falando aos companheiros de caminhada nas Corridas da Folia de cada ano.


Daqui arreparo no lagamá,
o jundu e uns três ranchos;
Adiante tá o caminho das casas.
O viamento foi largado;
no morro há resto de tiguera
e ninguém mais encoivarô.
Do embarque das bananas...
Nem engaço seco ficô.
Passo por um café intirume
Porque tô enfastiado,
mas... tenho tempo pra prosa:
me intero da festa que vem;
há redada na Ilha e tainha facheada;
uma turma de folião tá chegando.
Sobeja devoção.
Vai tê arvorada, muita reza e bate-pé.
Vamos o Divino adorá
E esperá o que vié.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

ENCANTO DO AMOR

Plínio Sampaio morre em São Paulo, aos 83 anos (Foto: Marcelo Justo)
        O presente texto é em homenagem à Laura Sampaio, uma religiosa agostiniana que, a partir do final da década de 1960, por muitos anos, tanta ajuda prestou aos caiçaras. Recorrendo às atualidades de seu primo Plínio de Arruda Sampaio, que estava no exílio forçado pelos militares, nos apresentava os temas da sociedade brasileira. São pessoas assim que marcam o nosso ser. De fato, era um bom homem. Deu a sua contribuição a nós caiçaras que vivíamos bem isolados, longe das atualidades de então.

“Bons tempos era aquele em que a gente, no serão, depois da janta, escutava as histórias dos mais velhos”.

      É assim que as gerações vão aprendendo, sonhando, criando seus medos e dando suas contribuições culturais. No nosso caso, quase sempre o mar, as praias e a natureza têm os elementos essenciais a uma boa história, aos tantos causos que nos cercam.

                    Numa roda da conversa apareceu esta:

                “Os dois apaixonados namoravam na beira da praia de Itamambuca. Eram vigiados apenas pela luz da Lua. Lá contavam estrelas e faziam promessas de amor eterno.
                Ditinho, filho de pescadores, conhecia muito bem a história que seus pais contavam sobre as crianças que eram geradas em dia de Sexta-feira da Paixão. Eram misteriosas como tais dias...Mas Ritinha, afoita como só, achava graça das prosas de Ditinho, duvidando que fosse verdade.
                Ele tentou ir embora, dizendo que se ela engravidasse teria um bebê encantado. Se nascesse menina seria bruxa, se fosse menino seria lobisomem.
                O pescador se rendeu aos caprichos da moça. Após aquela noite Ritinha nunca mais apareceu.

                Depois de exatamente nove meses uma criança nasceu do outro lado da praia. O seu choro intrigou a todos dali, pois era acompanhado de um uivo, fazendo com que a própria Lua se escondesse de medo”.

domingo, 6 de julho de 2014

COMO ERA BOM!

Mural de outros tempos   (Arquivo JRS)

       Ao escrever a respeito do coco pati, a minha prima Nádia do Prado, criada no jundu da Praia da Fortaleza, fez questão de dizer o seguinte: Amode que eu já comi muito com farinha de mandioca . E era bom heim!”.

       Pois é! Como um peixe na toca, aos poucos vão aparecendo vislumbres dos nossos hábitos caiçaras! É bom que alguns se recordem do que viveram, enquanto outros vão tomando conhecimento.

      Ao ler o escrito da Nádia, me recordei de uma tarde distante no Sapê, na casa da vovó Martinha. Estávamos só nós: eu - bem moleque ainda! -, ela e a tia-bisavó Izolina. De repente, a vovó diz: “Vamos fazer farinha de coco para o café. Zezinho, pega a roçadeira e um saco ali no canto. A gente volta logo, titia”. Quando me vi, já estávamos atravessando a vargem em direção ao Morro dos Amorim, distante quase dois quilômetros da casa. Sobre a terra preta encharcada, os paus roliços serviam de caminho entre abundantes ciosas, davam firmeza aos pés.

      No aceiro de uma roça de mandioca, lá no morro, tinha alguns coqueiros indaiás. Ela escolheu um cacho caprichado, amarrou a roçadeira numa vara de capororoca comprida e logo nós vimos ele rolando no capim-melado. Na hora eu pensei: “Meu Deus! Quem vai aguentar carregar esse cacho até a casa?”. 

      Para quem não conhece, o indaiá dá um grande cacho. Além do mais, é difícil de carregar porque tem uma ponta incomodante em cada coco. A vovó só disse: “Este tá bom”. Em seguida dobrou o saco, ajeitou sobre um ombro, lançou  aquele enorme cacho, deu a ordem para que eu levasse a roçadeira e saiu andando naquela picada precária. Eu me admirei da força da vovó, que estava nos sessenta anos.

      Aquela distância ela fez num único lance. Quer dizer: não parou para descansar nenhuma vez. Ao chegar no terreiro, jogou a carga ao lado de uma pedra usada para quebrar cocos (pindoba, indaiá, brejauba, jarobá...). Fez um descanso breve. Logo estávamos nós três a quebrar coco. Depois de uma certa porção, a titia começou a socar no pilão, acrescentando um pouco de açúcar e arrematando com a farinha de mandioca feita ali mesmo a cada quinzena. E por fim, em torno de uma chaleira de café, era só alegria com farinha de coco indaiá!


     É, com sempre repetia o vovô Estevan: “Naquele tempo o dinheiro era custoso, mas o de comê era em fartura”.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

NOSSOS HÁBITOS

Coco pindoba em dois momentos (Arquivo JRS)

           Ao reler  umas anotações nuns papeis mais antigos, pensei que o título poderia ser Nossos hábitos na nossa linguagem. Isso porque trata de um falar caiçara que vai se perdendo. “É a modernidade”.
           É a modernidade que promove o afastamento de um tempo de maior interação com a natureza, de um conhecimento ancestral de tudo aquilo que o mato nos oferecia (desde a alimentação até as propriedades curativas).
          A inspiração presente veio depois de saborear um cacho de pindoba, resultado da excursão à Toca do Bagre (Jundiaquara). Aos amigos: estava uma delícia! Agora vem o tempo da brejauba, do pati...
       Pati  é o fruto do patieiro, outra espécie de palmeira das nossas matas. Depois que brota o miolo, o sabor adocicado é uma tentação. O ruim é a concorrência das pacas, cutias e caxinguelês. Conforme me apresentou há muito tempo o Dito Fernandes: “Esse é o pati. Agora tá brotado. Vamo catá o que puder. Sorte nossa o bicho ainda não tê aparecido e carregado tudo”.
       Tudo isso faz me buscar...


Na Badeja do Nhonhô Armiro
Um caxinguelê esperneia
Pelas grimpas do embiruçu,
Já reparando no juréu
Do lado da arataca.

A mode que não vi!?! Ahhh, homi!!!

Uma força de saquaritás,
Carambolas devezadas,
Balaio de peixe escalado.
Do cardo de massa,
Biju vai se formar.

A mode que não vi!?! Ahhh, homi!!!

Uma  barata escarrapachou.
Quando me precatei,
Tinha desmontado o mundéu
Do velho bem tiririca
No aceiro ainda a queimar.

A mode que não vi!?! Ahhh, homi!!!

Não quero nada intirume,
Nem bentrecha escalada.
Só aquela que veio de fornear.


A mode que não vi!?! Ahhh, homi!!!

quarta-feira, 2 de julho de 2014

ASSOMBRAÇÕES PERSISTEM


Jundiaquara, a toca do bagre (Arquivo JRS)

          No centro da cidade de Ubatuba tem uma rua por nome de Maria Vitória Jean. De acordo com os registros de Washington de Oliveira, “Maria Victor Camilo Jean, mais conhecida por Maria Vitó, era filha de um daqueles franceses que em meados do século passado [1801-1900] vieram para o Brasil e acabaram radicando-se em Ubatuba”.
         Ao visitar a Casa da Jundiaquara, onde um desses franceses chegou  na primeira metade do século XIX, lembrei-me que alguém me disse o seguinte: “A Maria Vitória era descendente de Camille Jean, o fazendeiro francês da Jundiaquara. Foi quem construiu o primeiro casarão, depois  de aplainar uma parte do morro. Era um casarão muito bonito, onde acolhia sempre os visitantes franceses. O cônsul da Bélgica, um passagem por aqui, ficou hospedado lá. Também o famoso Debret, que fazia parte da Missão Cultural de D.João VI, foi acolhido ali. Da visão que se tinha do alto, ele fez algumas gravuras da nossa região, da natureza”.
     Dizem os historiadores que, além do fato da independência do Haiti, que expulsou os senhores franceses para outras terras, também ocorreu a guerra que envolveu a França contra a Prússia forçando os mais destemidos a buscarem outras paragens. Os franceses que chegaram a Ubatuba entre 1820 e 1850 eram dessas levas. Eram capitalistas buscando refúgio nas terras das Américas. No mesmo autor citado no início deste texto, encontramos: “Os que chegaram em Ubatuba adquiriram grandes extensões de terras e dedicaram-se à lavoura, muito especialmente na cultura do café”.

       Resumindo: as ruínas que visitei com os amigos são de época recente, construção do Holanda Maia, por volta de 1950, sobre os alicerces da primeira casa da fazenda (de Camille Jean). O nome Jundiaquara deriva da língua dos antigos moradores, dos índios tupinambás. É a Toca do Bagre (jundiá). Trata-se de uma enorme pedra mais para o interior, quase no Sertão da Sesmaria, onde passava o rio. Com essa denominação podemos deduzir que o local era cobiçado pelos pescadores de outros tempos. Agora, como comprova a fotografia, tudo é mato cobiçado para grilagem de terra, para devastação total de tantas riquezas naturais e culturais. Pois é! As assombrações persistem!

terça-feira, 1 de julho de 2014

QUEM CONTOU FOI A TITIA

Ruínas tão presentes (Arquivo JRS)
                 Olá, Priscila Santos! Olá, Ana Rocha!  Sejam bem-vindas ao blog!  

            Há três dias, juntamente com o Jorge, Xavier, Elias, Harumi e Solange, fui rever as ruínas da Jundiaquara. Quem era muito bom em contar histórias daquele lugar era o Velho Sebastião Rita, pai do saudoso João de Souza, gente antiga do Itaguá.
                   Depois disso, relendo uns textos de gente que ainda anda por aí, achei mais um que tinha como referência o tal lugar. Espero que aproveitem bem!
                Impressionante como faz falta uma política de turismo cultural para a nossa cidade!

            "Todos diziam que a casa velha, no Morro da Jundiaquara, era mal-assombrada, que sempre podia acontecer coisa ruim a quem adentrasse nela etc. Por isso muita gente tinha muito medo até mesmo de passar perto dela. Os poucos que a visitavam diziam que nunca mais voltariam a fazer tal loucura. Era medonho, mesmo!
           Eu não sei o que deu em minha tia e seus colegas; só sei que resolveram conhecer a tal casa. A chegada era por uma longa estrada cheia de mato, que se mexia demais como se não quisesse a aproximação do grupo. Minha tia e seus amigos ficaram muito assustados, mas resolveram continuar assim mesmo.
             Quando olharam para a casa não acreditaram que ela era mal-assombrada, pois ela era muito grande e bonita. Resolveram entrar nela. Assim que eles entraram, a porta bateu e fechou-os. O desespero foi encontrar uma saída; o esforço foi infrutífero. Todos silenciaram e logo ouviram portas batendo, correntes sendo arrastadas,   gritos e choros.
                A minha tia ficou desesperada e desatou a chorar. Nisso a porta se abriu e todos saíram correndo para nunca mais voltar àquela casa.

                Dizem que até hoje quem vai naquela casa ainda percebe o mato se retorcendo por todo o caminho, escutam o barulho das correntes sendo arrastadas,  os choros, as portas batendo e gritos, muitos gritos. Dizem que na frente da casa tem um cemitério e que naquela casa morava muitos escravos. Só sei que muita gente continua morrendo de medo de ir na Casa da Jundiaquara. 
                Quem contou essa história foi a titia!".